quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ensaio sobre teísmo e ateísmo pela concretez da Vontade Inalienável

Muitos têm debatido, apud facebook,a situação de revolução quanto ao estado do casamento, nomeadamente no que concerne à viabilização, e legalização do casamento homossexual. O critério jus-filosófico em questão nunca poderá ser o do " os outros têm eu também quero", embora pareça liminarmente uma tendência socialista do modus operandi politicae. Nunca poderá ser pela aresta da dogmática que as coisinhas se resolvem. Não creio ser este o caso, permitindo que a imagem do " puto mimado sem brinquedo que faz birra só porque o outro tem" legitime, pela inveja, a obtenção de um direito. Isto é uma falácia.


O primordial motivo centra-se, a meu ver com o conspectum da autorealização da vontade humana. E entenda-se vontade como representação do concreto em si mesmo, e não com alcance mental, como fazem os críticos de Direito. Será mais um postulado de aproximação filosófica do que meramente legal, sendo que existirá forçosamente uma dialética indissociável para se concretar o pleno usus deste direito. a autorealização concreta diferencia-se, a meu ver, da autorealização impossível ou ilusória. A primeira implica uma conjunção de factores que possibilitem a viabilidade da plena efectivização do concreto em si. A segunda, impossibilitada pelo suporte das condições necessárias e indispensáveis para a plena concretez da autorealização humana plasmada na capacidade de gozo do direito, implicará um apurar de todas as condicionantes que, apuradas entre si dialeticamente, serão apenas uma ilusão, ou uma breve falsa partida, sendo entendidas como ponto de partida, maxime etapas, para a consumação efectiva do postulado da autorealização rígida e objectivamente observada in loco, in tempore, in homo.


O casamento, enquanto conspecto relacional, tem de ser dificilmente digerido in tempore, sabendo que é, prima visio, uma tarefa complicadíssima, porque neste preciso instante temos a bagagem toda, e estamos no século XXI. É natural que para estarmos neste ponto de evolução, tivemos de vir do quase-nada. O Critério histórico-sociológico-psicológico pauta diacronicamente a acção humana, pelo que, atendendo às circunstâncias de facto, devamos separar as que nos afastam o facto da circunstância das que nos repelem a circunstância do facto. O Casamento é, antes de tudo, acção humana. sendo actio, implicará uma vontade enquanto representação concreta de dois agentes ( casamento monogâmico). Apurada a inverossímil vontade enquanto garante da concreta humanidade de si, completados todos os requisitos formais ou legais, vale desde já a vontade enquanto preenchimento ontológico. Não importando o sexo, case-se o Homem, case-se a Vontade, Case-se o Ser enquanto Ser e não a Forma enquanto Forma.


Isto, embora atrapalhadamente e desmetodicamente, congrega-nos para a Figura da Mulher no teísmo, que neste caso concreto é a Religião Católica Apostólica Romana. A Igreja Católica discrimina a mulher, segundo muitos. É em parte verdade, e em parte uma não-verdade, ou uma meia-verdade. Na realidade, há, nos alicerces da Doutrina Cristã um aparente conflito de visões entre a Mulher-Diabo e a Mulher-Anjo. Um aparente, porque o arrependimento salvou Maria de Magdala. Existindo arrependimento que mate, não olvide o arrependimento que cura. Maria é o Paradigma da Mulher-Nova. Mesmo no seio da Doutrina Catholica, a mulher tem um aspecto preponderante: e é preponderantemente paradoxal neste sentido que vou tentar dissecar. Primo, Eva é o ícone do Pecado, no A.T; a posteriori, Maria é o ícone e paradigma da perfeição. A Igreja Católica sempre teve em Maria uma "pedra angular", início-fundamento e vector-último daquilo a que muitos chamam de Santidade ( que quanto a mim é um tema bastante controverso carecendo de aproximação anti-dogma).


A Questão da violação de direitos fundamentais não deve ser imputada a Cristo mas aos Cristãos. Não à Igreja-Alicerce, mas à Igreja-Licerce. Tal como isso, não é Imputada a Cristo e ao Cristianismo alicercal a Inquisição. E porquê? Simplesmente porque a confusão entre o poder temporal e o poder espiritual ditou que a Inquisição rezasse à história os horrores da dita santa crueldade. O Cristianismo viveu séculos com a Descristianização. A Igreja foi e é uma Dialética a se. No tempo de Cristo, dar-se-ia a César a temporalidade da potestas para granjear o sumo angelical da espiritualidade da fides. Hoje é impensável pensar a Igreja enquanto contra-poder. Mas, e nomeadamente entre nós, o grande teólogo ( e amigo meu) Prof.Doutor António Pinheiro, Teixeira, a "Teologia Revanchista" pretende a redimensão da Cristandade às origens, a Cristo. Para ser fim, Cristo tem de ser Origem, e antes de ser Origem, Ordem. A Mulher nunca seria discriminada se Cristo eliminasse da humana Igreja a humana discrepância da vontade e contra-vontade. A Igreja mantém a sua ortodoxia relativamente a muitos assuntos, mas não obriga ninguém a ser Cristão. É uma escolha que implicará um juízo concreto de que ser Cristão não é fácil, é um compromisso ético-moral-de-acção com Jesus Cristo, e com Pedro ( figura Papal) e toda a Doutrina.


O casamento como realidade relacional não pode dissecar o carácter de relação ( e as suas implicações adjacentes) sem se aliar da sua sensata realidade, que traduz o desenvolvimento humano como um fio condutor construtivo ( a priori, havendo contudo rupturas e contra-rupturas).Não estou a dizer, com isto, que a imagem-tipo de mulher serva de seu lar é valorativamente correcta, nada disso. Que seria do homem sem a Mulher? Olhemos ao argumento pela ausência do termo concreto. Seria complicado, digo eu...



A meu ver, homofobia é censurar católicos só porque o são, quando na realidade os católicos deveriam abster-se de censurar os não-católicos só porque o não são. Cada um é livre e tem autodeterminação essencial e de juízo para efectivamente se "tornar naquilo que é" ( F.Nietzsche), sendo que o "Homem é um fim em si mesmo", como referiu oportunamente Emmanuel Kant. Já Feuerbach, e Schelling, Heidegger colocam o compromisso ético religioso do Homem como corolário da autodeterminação da Vontade, como representação do concreto, ou seja a Razão está no compromisso de vontade. O que implicará dizer que, não obstante razões que a cada religião se confinam, o respeito será o mínimo indispensável para a sã convivência do homem enquanto ser transcendente em si mesmo pela emanência concreta.


E é aqui que entra o grande Dilema: O que é a Não-Religião? Hans Urs von Balthazar apela para a religiosidade do ateísmo. Parece paradoxal, mas o paradoxo aproxima-nos às vezes da gnose, e realmente mesmo o não-ser convoca a religação pela negação, implicando a existência do aspecto negado. O não-Deus apela para a existência de Deus, e, racionalmente, por um processo lógico-dedutivo pelos contrários em si, teremos de assumir que o ateísmo clama pela existência de Deus. Diferentemente do agnosticismo que declama uma invariável e opaca lacuna de ratio que possibilite irrenunciavelmente e com plena noção de factum, conhecer Deus, o que também não implica a forciori que Ele não exista. Portanto, creio que a transcendência do Homem pode dar nisto: ou o homem se religa ( de religio) a Deus, ou se afasta d'Ele ( ateísmo).


Não existe não-Religião no simples ataque de uma única Religio, mas, numa rejeição de qualquer Religação. Qualquer ateu que se preze deve, a priori conhecer para julgar qualquer crente, e isso implicará um trabalho demorado de gnose para legimitimar a sua opinião dada pelo conhecimento de facto. O ateu deve saber a Bíblia de trás para a frente. É mais um paradoxo, mas o crente é livre de se julgar indignado só porque o não-crente, pelo desconhecimento de facto ou porque atira pedras sem rumo, decide atacar a base religacional-moral mais antiga de sempre, com uma cultura ética, cultural e humanista imedível. Eu sentir-me-ia ofendido se um sujeito criticasse Cristo sem primeiro O conhecer. Mas a Grande lição, a primeira nem é de Cristo, vem de Sócrates (Cognosce te ipsum). Depois de alguém se conhecer a si como se de sua direita mão se tratasse, poderá conhecer tudo o resto no plano emanente, e só depois no plano metafísico, o que implicará dizer que quem afirma a "morte" de Deus está a ressuscitar o suicídio do Homem.


Impõe-se aqui o chamado "respeitinho" que Manuel António Pina tanto invoca. Apesar das discórdias pessimistas de uma Filosofia/Teologia/Sociologia quase ultrapassada, teremos de nos preocupar com causas maiores, e por isso teremos de lutar Cristãos e Não-Cristãos contra algo que há milénios nos assombra: a inércia.


Lourenço


03:15, dia de Camões, ano da graça de 2010.

2 comentários:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

muito bom.
obrigado.

Anónimo disse...

muito bom, de facto!

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