domingo, 20 de julho de 2008

vós sem mim (durante 15 dias)

desejo-vos a todos um belíssimo verão.
muito cuidado com as alforrecas nas praias.

quem sabe vamos todos ver um bom concerto, hein? tipo este


quem for ao sudoeste mande-me um toque...

sexta-feira, 11 de julho de 2008

finding roy orbison

Caminho ofegante pelas estreitas ruas de uma aldeola no Mali. No centro do pequeno povoado, está um enorme pinheiro manso, que contrasta coma desolação desértica do local. Todas as pessoas estão pintadas de vermelho na cara e nos polegares, e insistem em mostrar-mos. Estarão a incitar-me a trepar à árvore? Tomo-o como um sim, e começo a fazê-lo. Mal ponho a mão no primeiro ramo, solta-se da frondosa folhagem uma enorme multidão de escorpiões. Estes têm as suas pequenas pinças avermelhadas, e começam então a pintar-me a cara e os polegares. Marge aparece e começa a repetir a palavra "écloga" até desmaiar.

"Acordo sempre sobressaltado deste sonho", pensei. "Talvez deva começar a pensar em não trepar a árvore, já não durmo decentemente à 15 dias."
Preparei-me com aprumo, um bom rapaz quando sai à rua deve mostrar sempre um ar de graça. Penteei-me com os dedos, vesti o casaco menos velho, e parti para a reunião com o editor.
Levava o manuscrito debaixo do braço, e tentava aquecer-me com um pequeno cachecol. Se algum dia forem a Berlim, não se impressionem das semelhanças da palavra Bär (urso em Alemão) e Berlin. Os próprios cidadãos acham que a sua cidade era dantes um ponto de encontro de ursos. De facto, para suportar o frio berlinense, uma camada extra de pêlo e gordura ajudariam muito.
O editor estava num café com esplanada à beira da Unden Der Linden, que até à uns anos era um local florido, até Hitler ter cortado todo o tipo de flora para o seu povo poder ver os seus tanques de guerra desfilar.
- Saudações, Herr Klein! (Herr Klein era, de facto, muito pequeno)
- Saudações! Ligou-me a querer ver-me meu amigo.
- Tenho um trabalho novo, vai permitir-nos saldar todas as dívidas e pagar a renda.
- Diga meu caro, bitte!
- É algo totalmente novo, que vai fazer com que a Teoria Pura do Direito de Kelsen pareça um hit de Verão!
- Eu editei Kelsen. De facto, foi um sucesso estrondoso, não se via casal ou família que não andasse com ele debaixo do braço. Ganhou muito dinheiro, e nunca mais o vi. Entregou-se à má vida. Tu sabes, dinheiro, mulheres, noites, drogas. Acho que em Viena ninguém o parou. Ouvi até dizer que tinha feito uma Constituição aos austríacos. Um homem não pode descer mais baixo que isso para ganhar uns trocos. Os austríacos... enfim, depois disso foi o fim. Deambula pelas ruas de Munique a pedir esmola, faz uns trabalhecos em troca de comida e vinho. Não queiras ir pelo caminho da fama de Kelsen rapaz, o fim é sempre o mesmo. A estalagem. Ou a farmácia. Ou o prostíbulo. Ou o exército. A frente na Rússia pede mais homens aparentemente.
- Isto é algo superior. Eu bem me lembro de ver o meu pai a recitar longas passagens da Teoria Pura do Direito diante da minha família. O idiota do meu tio detestava. A beleza do capítulo sobre as fontes do Direito... A Lei, a Lei! Toda aquela pancada naqueles mariquinhas dos jusnaturalistas. Um pródiga pândega. Mas isto é mais, meu caro, é mais!
- De que trata, meu jovem?
- Descobri.
- Descobriste o quê?
- Ele, já sei onde Ele está.
- Ele? quem é ele?
- Ele com o maiúsculo...
- Deus? o que queres dizer com isso?
- Schiu Herr Klein, ninguém deve saber disto...
- Desculpa meu caro... mas... Nietzsche não o matou? Todos sabem disso...
- Tenho provas que é mentira. E sei finalmente porque o fez.
Herr levou-me para o escritório. Com tantos Gestapo disfarçados de garçons em Berlim por essa altura, de repente pareceu-me má ideia ter saído de Paris após a invasão nazi e ter feito o percurso inverso dos restantes intelectuais. No entanto, na altura pareceu-me muito lógico ir para a capital do III Reich, o único sítio em toda a Europa Ocidental que não possuía um militar alemão munido de uma SturmGewehr pronta a nos abrir um orifício extra ao dobrar da esquina.
Expliquei então a Herr Klein todo a minha inicial pesquisa. De facto, o filósofo oficial do regime não tinha assassinado Deus, como todos pensávamos. O grande busílis desta questão é simples. Porque razão o filósofo matou o Criador? Após várias pesquisas, encontrei uma razão possível. Deus tinha dormido com a mulher de Nietzsche, o que é uma muito natural, dada a apetência natural do Criador para possuir virgens casadas (sabia-se que Nietzsche nunca tinha consumido o seu casamento, visto que se achava demasiado perfeito para a sua própria mulher).
- Queres dizer que... Aquele que dá significado à existência ainda está vivo?
- Sim, mas Hitler não pode saber... ou acaba o trabalho.
- Mas como Nietzsche não o apanhou?
- Deus gosta muito de bricabraque, fazer arcas e coisas dessas. No entanto, é extremamente impaciente, e faz a maioria do seu trabalho às escuras. Só depois de criado o Universo ele disse " Faça-se Luz!" como está escrito no Génesis. O mais provável é Nietzsche ter usado a ajuda de outro inimigo de Deus, um empirista qualquer, e lhe tenha batido com uma tabula rasa.
- Como escapou ele?
- Com a ajuda de Karl Popper. Ele simplesmente falsificou todas as provas da sua sobrevivência. Deus está, neste momento, escondido no Vaticano.
Nesse momento, Herr Klein estacou e fitou-me serenamente. Tinha uma arma na mão. Disse-me:
- Finalmente alguns resultados. Fizeste muito pelo regime meu amigo. Está na hora de seres recompensado.
- Herr Klein.. era o senhor o empirista desconhecido! Mas como?
- Eu era jovem... Carl Schmitt era mais velho e mais bonito. Eu sentia-me atraído por ele, era uma relação imprópria para a nossa sociedade, mas ele era o meu professor e eu o seu embevecido aluno. Quando os nazis fizeram o que lhe fizeram... a sua obra, usada para os piores fins... Eu já não acreditava em nada. Por isso, ajudei-os.
- Não há mesmo chance Herr Klein? Não há perdão?
- O mundo continua vazio e merdoso, haja Deus ou não. Para ti, Herr, não há perdão.
Soou em disparo. Fechei os olhos, encomendando a minha alma Àquele que afinal ainda vivia... Quando os abri, deparei-me com uma cena estranha. Vários homens de púrpura estavam de volta do corpo de Herr Klein, tinham arrombado a porta.
De entre eles, sobressaia um que usava um alto chapéu.
- Sabes quem eu sou, paisano? - pergunta-me o homem do chapéu, com um temível sotaque siciliano.
- Vossa Eminência... sois aquele a quem chamam o Papa...
- É verdade. Johny boy, não vais chibar aos chuis o que acabaste ver, capisce?
- Sim...
- De facto, nada disto é pessoal. Nada disto deve ser pessoal. É tudo uma questão de negócios, o Padrinho lá em Cima tinha uma dívida a saldar com este traste.

Foram embora pesadamente, levando o pequeno corpo de Herr Klein escondido na minúscula arca frigorífico, para o qual foi dobrado em 5 partes iguais de forma a caber lá. Quando iam a sair, perguntei ao boss:
- Papa... poderá haver perdão, agora que Ele cá está?
- Há sempre um perdão filho. Só precisas procurar por ele em ti próprio, e deixar que os outros o façam. Bona Sera.
- Bona Sera...
Desci calmamente os degraus do prédio onde há pouco estava o escritório de Herr Klein. Estava claramente na altura de seguir para uma cidade mais livre. Talvez Estalinegrado, Petrogrado ou mesmo Moscovo.
Comia distraidamente um apfell strudel enquanto seguir pela Unden Der Linden...
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