Bom Senso e Bom Gosto: Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho (excerto).
"(...). V. Ex.ª aturou-me em tempo no seu colégio do Pórtico, tinha eu ainda dez anos, e confesso que devo à sua muita paciência o pouco francês que ainda hoje sei. Lembra-se, pois, da minha docilidade e adivinha quanto eu desejaria agora podê-lo seguir humildemente nos seus preceitos e nos seus exemplos, em poesia e filosofia como outrora em gramática francesa, na compreensão das verdades eternas como em outro tempo no entendimento das fábulas de La Fontaine. Vejo, porém, com desgosto, que temos muitas vezes de renegar aos vinte e cinco anos do culto das autoridades dos dez; e que saber explicar bem Telémaco a crianças não é precisamente quanto basta para dar o direito de ensinar a homens o que sejam razão e gosto. Concluo daqui que a idade não a fazem os cabelos brancos, mas a madureza das ideias, o tino e a seriedade; e, neste ponto, os meus vinte e cinco anos têm-me as verduras de V. Ex.ª convencido valerem pelo menos os seus sessenta. Posso pois falar sem desacato. Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Ex.ª passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas cousas que saem dele confesso não me merecerem nem admiração, nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V. Ex.ª precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de reflexão.
É por estes motivos todos que lamento do fundo de alma não me poder confessar, como desejava, de V. Ex.ª."
Coimbra, 2 de Novembro de 1885
Nem admirador nem respeitador
Antero de Quental
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