sexta-feira, 18 de junho de 2010

De mortuis nihil nisi bene

Morreu Saramago. As "elites" não cessam de perorar sobre o Nobel. Enquanto bebia um café e comia um pastel de nata, desfilavam na tv, ao vivo e ao telefone, derramando sobre o dito cujo tanto quanto nunca se derramou sobre escritores maiores do que Saramago como, por exemplo, Jorge de Sena. Há uns anos Saramago entrou nos curricula liceais do regime e varreu a possibilidade de os meninos e de as meninas conhecerem literatura portuguesa aproveitável ou sofrível. A "oficialização" cultural de Saramago começou quando, estupidamente, lhe proibiram um livro num concurso qualquer. O Nobel, festejado pela paróquia provinciana como uma vitória internacional no futebol, acentuou o carácter quase místico da figura que, daí em diante, passou a tratar abaixo de cão qualquer poder politico que não o bajulasse adequadamente. O que afinal subsistiu em relação a Saramago foi o velhinho temor reverencial de um país com lamentáveis "tradições" culturais que, entre outros, fez de Saramago um "símbolo". E é esse que vai ser exibido por estes dias. Poucos ou nenhuns recordarão o pequeno tirano do Diário de Notícias ou a seca vaidade vingativa da criatura. "A morte absolve tudo", como ensinavam os latinos, mas nem tudo é absolvível pela morte. Paz à sua alma.

in Portugal dos Pequeninos

7 comentários:

Hugo Volz Oliveira disse...

Gosto da visão alternativa, mas se fossemos a não gostar de certas obras pelos defeitos dos seus autores já se tinham queimado todas as bibliotecas, museus, discos e afins.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

nunca esteve em causa a apreciação da obra de Saramago através da sua personalidade.

muito pelo contrário, até.

Hugo Volz Oliveira disse...

O meu comentário era mais em resposta aos comentários do post original no Portugal dos Pequeninos. Só faltam pipocas para acompanhar a leitura.

Mas, quanto ao post em si, sim, acho que é inevitável que o destaque seja dado ao mito que entretanto vai nascendo.

Por último uma citação a calhar: 'Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira, talvez nos pudéssemos entender melhor.' :p

Anónimo disse...

No que concerne às ideias ligadas à mediatização do acontecimento, João Gonçalves terá todo o meu apoio.

Já no que respeita ao restante sumo material do texto, tenho a dizer-te, caro Manel, que é, como dirias, do mais "visigótico" que tive oportunidade de ler por estas mui nobres paragens...

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Não concordo Fernando.
Sinceramente, abstenho-me de fazer considerações literárias sobre a obra de Saramago, porque gostos, vá lá, não se discutem.
Além do mais, uma referência literária não é uma referência moral, e penso que nesse caso há algo mais a discutir.
A verdade é que a obra de Saramago se "arregimentou", caiu nas graças do Ministério da Educação, e foi expulsando o lugar de outros. Vergílio Ferreira foi desaparecendo, Jorge de Sena foi mesmo há vida, com a estupidificação dos currículos de secundário, Saramago foi ainda mais claramente privilegiado.

Não posso esquecer também a verve despodurada e até ignorante de algumas declarações do autor, que se deu ares de teólogo por conta própria sempre que quis, que manobrou indecentemente a opiniãozinha publica contra a suspeita do costume, a Igreja, e que por tal fez a escola de muita gente da minha idade, que vê poesia e beleza naquele excesso gutural de muco e suor que é a escrita dele, aquele materialismo e dureza tão própria das narrativas comunistas.
E falando em comunistas, há que lembrar os apoios ao regime de Cuba, e outras declarações do género - as perseguições a todos os que se atreveram negar-se-lhe o génio, e o seu sentido de fanatismo que se revelou no Diário de Notícias, dos quais ainda há memória do tempo do PREC, que tão bem se aplicou a Saramago.

A questão do prémio Nobel é uma discussão de esgoto. Eu não respeito muito aquele prémio, como muita gente já não. Dizer que é um erro falar da vida política de Saramago é um erro não se coaduna com o facto quase certo de que aquele Nobel foi apoiado por razões políticas, visto que havia mais portugueses na mesma lista, há mais tempo até, se não me engano, e muitos deles foram postos de lado. Penso que foi Lobo Antunes que disse que o Nobel era um prémio menor.

Como vês, tudo na vida de Saramago é política. Mesmo certas obras. O Evangelho de Jesus Cristo aparece poucos anos após uma corrente cinematográfica francesa contestar a divindade de Cristo, filmando até a cópula entre Maria e José num acto pleno de desejo carnal- ou, na linguagem dos admiradores de Saramago, "humanidade", como se humanidade fosse apenas o desejo e o instinto - e serviu-lhe muito bem.

O exílio forçado, ridículo em todos os pontos, quando alguém se dignar a estuda-lo bem, será um motivo incrível de chacota.

Paz há alma de Saramago, mas não se perca a pátria em cavar um buraco de herói para um mortal tão comum.

Anónimo disse...

Manel,

jamais me verás aprovar TODAS as posições de Saramago. Aliás, não direi posições, direi antes as formas de revelação destas.

Um bom exemplo é o afamado dito que põe a Bíblia com "um antro de maus costumes". Embora, em certa medida, possa concordar com o aspecto material da constatação, penso que o homem se torna simplório no modo e circunstâncias em que o afirma.

Por outro lado, essa politização de que falas pouco ou nada me diz. Penso até ser essa tendência de cariz mormente teleológico a principal enfermidade da populaça que por aí vem pastando. Se Saramago teve birras com o Estado Nacional, se saneou uns quantos marmelos do DN no decorrer do PREC, se é um confesso comunista, pouco ou nada me interessa realmente.

Expelida esta crisálida de questões meramente orgânicas, restam os válidos pensamentos e a nobre e vasta obra.

No que concerne ao Nobel, concordo plenamente. Nos últimos anos, creio até que desde a rejeição do prémio pela parte de J. P. Sartre, tem tido o mesmo valor que um Óscar de Hollywood... zero.

Por último restam as posições face à ideia de Deus e outra adjacentes que acho excelsamente bem conseguidas. Saberei já, contudo, qual o teu partido neste tópico...


Abraço.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

as posições de Saramago sobre Deus nem sequer são dele, são uma adaptação para romance de vários autores, desde o marxismo existencialista até ao puro niilismo.

penso que as opiniões políticas de Saramago contarão sim, mas para impedir que se redima a imagem de um homem a ponto de o beatificar. A beatificação de personagens é uma coisa mais republicana que católica, a meu ver, e o regime actual faz muita questão de arranjar os seus santos, para modelo da populaça.

Para veres o exagero, o ridículo a que já chega a masturbação saramagiana:

http://sociedadededebates.blogspot.com/2010/06/jose-saramago.html

este texto - o melhor que se vai conseguindo na SdD - indica que houve medo de falar de Saramago, de concordar com ele, devido ao medo imposto pela Igreja Católica.
Quem o publicou nem se lembrou que os medricas até imiscuir Saramago totalitariamente no 11º ano conseguiram.

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