domingo, 23 de maio de 2010

liberalismo de plástico

estava a dar uma vistas de olhos pelo blogue do RBR quando me deparei com um post que ia de encontro com um que escrevi no Estado Sentido*.
Ao defender a criação de mais entidades reguladoras independentes, Pedro Passos Coelho perpetua as críticas que muitos dos docentes universitários da área do Direito fazem à "deriva liberal" de alguns dos nossos recentes tecnocratas.
Continua a ser apanágio dos liberais de plástico a apreciação economicista dos problemas. Sem um profundo conhecimento daquilo que se defende, nem das necessidades da sociedade, não se pode entregar uma decente proposta política.

Muitos dos liberais sociais-democratas, tendo o gérmen corporativista implantado no sangue, consideram-se detentores de uma alternativa ao capitalismo de Estado do PS. Apesar de alguma diferença nos pressupostos ideológicos, a lógica de acção do PSD de Passos Coelho não difere em nada da de José Sócrates.
Ambos mantêm uma concepção corporativista do Estado, uma concepção que despe o poder público de obrigações perante o cidadão e entrega-as, em nome de maior eficiencia, a grupos de interesse.
As entidades reguladoras independentes caiem, tal como diz o Rui, no laxismo e na irresponsabilidade perante o cidadão, e são mais facilmente dominadas pelas indústrias do Governo que os órgãos públicos.

* aqui em baixo o tal texto

Impera na blogosfera a visão economicista do Estado.

O peso do Estado sobre o cidadão nem sempre é opressor pela mera presença de um Estado regulador na economia. Certos países passaram por fases de forte presença do Estado na economia sem que os cidadãos se sentissem rapidamente oprimidos. Isso deu-se porque o ordenamento jurídico desses países era forte, independente e vigoroso. O Direito que regula as relações do Estado com os cidadãos é o Direito Administrativo (em matérias de Direito Público, claro). O Direito Administrativo foi criado em França e não nasceu da mesma maneira que o Direito Privado. Não existia para salvaguardar os particulares, mas sim para que o Estado e a sua administração tivessem um tribunal para os seus assuntos. Com a evolução do Direito Administrativo em toda a Europa, contudo, assistimos à criação de um Direito que está especializado nas relações entre o Estado e os cidadãos, salvaguardando o Bem Comum de um lado e os direitos de cada indivíduo pelo outro. Há uns anos apareceram em Portugal as Autoridades Independentes. Nos EUA, pátria destas figuras, as Autoridades Reguladoras Independentes eram meios do Estado Federal de aumentar a sua influência no mercado.

Na Europa, onde os efeitos perniciosos da intervenção directa da Administração já se faziam, uma vez mais, sentir no desempenho da economia e do direito, as ARI's doram adaptadas no contexto da contenção da intervenção do Estado.

As ARI's pretendem:

1- desgovernamentalizar a tutela dos direitos fundamentais (daí muitas Entidades Independentes para regular coisas como a Comunicação Social e a Liberdade Religiosa)

2- despartidarizar a administração.

As ARI's revelaram-se um flop.

Primeiro, porque são os governos que as constituem, e não existe em Portugal uma cultura cívica que faça com que estes escolham pessoas pelos seus méritos académicos e profissionais. De facto, "lá fora" muitas vezes são os Parlamentos a constituir estas entidades. A Administração tem somente sobre estas entidades uma tutela de mera legalidade, não havendo superintendência nem tutela de mérito. - devido ao carácter independente das ARI's. Neste caso, seria normal que a competência de tutela devesse ser alargada aos Tribunais Administrativos. Por muito que os reguladores sejam considerados independentes da Administração do Estado, não estão nunca independentes do interesse público. Esta facilidade com que os neo-intervencionistas acharam formas de aplicar as suas medidazinhas de engenharia social sem as complicações da Administração directa e indirecta mina, lentamente, a autoridade do Direito. Dentro da própria classe judiciária se sedimentou a divisão e a austeridade e a prudência, duas características fundamentais ao exercício do Direito, desaparecem diariamente das palavras dos advogados e magistrados que vêm para a Tv, num tom de voz corporativista, desautorizar a imagem de guardiães do bem público que estas profissões deviam guardar.

O Estado, mesmo sendo reduzido do ponto de vista político/económico, deve possuir uma Administração forte, um Direito forte.

As entidades independentes entregam o cidadão ao jogo das corporações profissionais.

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