quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Francisco Lucas Pires

A esperança, porém, é que, apesar de tudo, o conteúdo socialista, já de si indefinido, tende a auto-reprovar-se economicamente e a esbater-se politicamente cada vez mais, e que, ao mesmo tempo, a forma democrática da Constituição, essa sim objectiva, cada dia mais conta como decisivo e mais eficaz princípio constitucional. (...) Constata-se, pois, que a Constituição, enquanto projecto global da sociedade e do Estado no nosso país, se reinterpreta constantemente. Não há nada de ilícito ou de antijurídico em admitir isto! A Constituição é originariamente um contrato. Só em termos marxistas, ou em geral de poder absoluto, a poderíamos considerar um estatuto. E um contrato é um processo multilateral e dinâmico. A Constituição não é a superiora da democracia, é, sim, um meio serviçal da democracia. De outro modo estaríamos apenas perante mais uma barricada: a barricada institucional.
Manifestações de desagrado do PS e do PCP.
Só são incompreensíveis e contraproducentes neste contexto evolucionista o rigidismo e a pretensão de inalterabilidade da Constituição, por um lado, e a concepção dos órgãos de controlo da constitucionalidade como órgãos de repetição da Constituição e defesa militar do status quo, em vez de como órgãos de actualização e regulação político-constitucional.
Manifestações de desagrado do PS e do PCP.
Quanto ao rigidismo do poder de revisão, dá a ideia que a Constituinte teve ciúmes de que o poder de revisão futuro tivesse mais força conformadora do futuro do que a força conformadora que ela própria teve perante a Revolução. Quanto à concepção dos órgãos de controlo como repetidores da Constituição, dir-se-ia que este sistema de garantia valoriza mais a memória do que a inteligência ou a sensibilidade políticas! E tudo isto inspira, afinal, mais a autoridade da força do que a da competência, mais a conservação do que o progresso. Apesar de se saber que aquilo que a autoridade hoje precisa em Portugal não é de rigidez, mas dessa virtude, só aparentemente próxima, que é a concentração.No mundo de hoje, os problemas, mesmo os políticos, são sempre novos e a razão só se esclarece e perfila claramente perante os problemas. Por isso, é preciso deixar-lhe sempre, à razão, uma grande porta aberta. Cada vez mais, de resto, decidir é, em democracia, decidir com o povo e não apenas em nome do povo. A Constituição, ela própria, não é um rochedo, é também um barco, um barco maior, é certo, mas que não é insensível nem às ondas nem ao vento.Já se compreende porque é que o CDS votou contra o projecto global da Constituição.
Risos.
Deixou-se compreender também porque, apesar da modificação tácita do espírito constitucional, voltaríamos hoje a votar contra o mesmo projecto constitucional. Não foi contra a Constituição que votámos, aliás, como se tem dito, foi, sim, apenas contra um projecto de Constituição, que só depois de votado poderia ter validade e existir. Consideramos até que o nosso não foi, aliás, de algum modo referendado pela sociedade portuguesa.
Risos.
O socialismo constitucional, apesar de querer ser mais sociedade, não uniu mais a nossa sociedade, mas, pelo contrário, dividiu-a mais.A mesma sociedade pensa e procura hoje tanto mais a escola e a economia privada quanto mais se acentua a falência dos modelos de economia e de escolas públicas. O nosso não evitou, aliás, que a aprovação da Constituição de 1976 tivesse tido o estilo plebiscitário, embora agora de via reduzida, que revestira a da aprovação da Constituição de 1933. Ao votar não, o CDS foi, além disso, o intérprete de grande parte de uma sociedade, que nós, com o nosso voto, não quisemos deixar democraticamente desamparada e fora da luta pela Constituição democrática de Portugal. A função das Assembleias é, há-de ser, ecoar perante o Estado as preocupações da sociedade e não agir apenas em função da razão do Estado e do equilíbrio do Poder.Também por isto o CDS não anda com a Constituição às costas! Cumpre-a integralmente, isso sim! O direito que emana num contrato-social-democrático e livre tem para nós o valor supremo e incondicional. Mas por isso mesmo, porque é o contrato-social originário e fundamental, a Constituição tem de ser assumida em consciência por todos os portugueses neste sentido. Que para nós essa consciência é uma consciência preocupada e crítica, que procurará aliás influir activamente no sentido de uma interpretação anti-restritiva e antidogmática da Constituição.Queríamos desta maneira contribuir para desafogar o nosso horizonte colectivo, para evitar a sufocação ideologista ou o afunilamento metodológico da vida democrática portuguesa e da nossa História moderna, para possibilitar a final redefinição de um projecto político maioritário e concreto, para alargar a possibilidade de acção política e de iniciativa e enriquecimento económico nacionais. Queremos aproximar-nos mais do sentido da História num espaço político e economicamente liberto, como o europeu, e num tempo que, como o do espírito de Helsínquia, será também o do Livre-cambismo ideológico e do intercâmbio ilimitado entre todos os homens.Não podíamos, aliás, partilhar a ilusão de que um qualquer absolutismo constitucional, tão tentacular como um polvo, resolvesse, por si só, os problemas políticos e económicos fundamentais. É que, diria para terminar, também em política, a salvação não virá só pela palavra, mesmo que seja a da Constituição. A salvação só chegará pelas obras...Tenho dito.
Aplausos da CDS e protestos do PS e do PCP, bem como de alguns Deputados constituintes.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Marxistas complexados!

1 comentário:

Anónimo disse...

Atualissimo.

"Em democracia, o Soberano é sempre o Povo, não a Constituição. Não é o Povo que é escravo da Constituição, é a Constituição que é serva da realização da vontade popular" (L. Barbosa Rodrigues, Uma nova Constituição para Portugal, Lisboa, 2010, p. 10)

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