sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Agricultura Profilática

Inauguro, com este primeiro texto, o espaçoso Café Odisseia num quente bafejo da Cidade do Cabo. É no conforto de tal amplexo marítimo que, em oportuna retrospectiva, analisarei os nove anos do governo de Thabo Mvuyelwa Mbeki, sucessor de Nelson Mandela. Apraz-me dizer que a pasta não poderia ter sido concedida a mais digno indivíduo, aliás, digníssimo criminoso e charlatão. Ora, chamado ao Congresso Nacional Africano (ANC), Mbeki decide dar por encerrado o seu inefável contributo para a saudável democracia sul-africana (1999 – 2008).
A sua estada no poder foi prenhe em efemérides. Este caríssimo chefe de estado, político de visitas a mercados e beijos em crianças (maravilhosa tradição) empreendeu uma série de reformas económicas (política de privatizações bem sucedida, sejamos justos) e sociais no ingénuo Estado recém-saído do apartheid e pouco habituado às andanças democráticas. Rotulado de excelente mediador pelo seu desempenho no Burundi e no Congo, chamado a intervir no Zimbabué, maculou o aprumado figurino. Encobriu durante meses as acções de seu bom amigo Robert Mugabé, mesmo quando milhões de zimbabueanos saltavam a fronteira em debandada (estima-se que cinco milhoes morrerão à fome nos próximos anos), o que originou uma violenta vaga xenófoba, miséria encapotada, numa África do Sul que se cria vacinada contra atentados desta índole.
Bem, se as centenas de mortes à catanada, os constantes assassínios a imigrantes, e a passividade das forças policiais não o fizeram sequer suspirar, já a SIDA lhe soltou a língua em demasia! Mbeki defende que esta síndrome não é provocada pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), opondo-se ao consenso médico internacional. Numa argumentação esquizofrénica afirma que todas as pesquisas médicas a este respeito, bem como os fármacos utilizados são um gigantesco embuste das farmacêuticas, mais, uma falta de respeito, prova do racismo ocidental! Não satisfeito, através da ministra Manto Tshabalala-Msimang recomendou, como medidas profiláticas, o consumo de alho, beterraba e batata africana; não espanta vivalma que a maioria da população africana acredite que esta enfermidade se resolva facilmente violando uma virgem ou um albino. Todavia estes assuntos não parecem minimamente relevantes, até porque a imparcial ONU fez questão de o condecorar em 2005, merecida retribuiçao pelos seus préstimos em prol da humanidade.

2 comentários:

Ruben disse...

Mas que bela maneira de iniciar esta fase do novo projecto " Café Odisseia". Projecto que se revela como muito jovem e promissor. De facto é um texto interessante em que a ironia e o sarcasmo se destacam a par de um conteúdo informativo que fornece , até ao leitor mais "ausente" da realidade africana, alguns dados para reflectir.
O consumo de batatas africanas, beterraba e alho é , deveras, uma medida a adoptar a nível mundial! talvez ate cure o cancro, quem sabe?

Mais uma vez, excelente inicio!

Cumprimentos

D. disse...

e o meu pai ainda lá quer ir levar-me para visitar o seu belo país. por este andar sair de lá em muito mau estado. dá-me imensa pena ver um país com tanto potencial, ser desperdiçado entre sensos-comuns e presidentes que espalham crenças demasiado perigosas para uma sociedade desde já minada por vários desastres.

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