O homem comprou um piano de espelhos num antiquário seu conhecido, conhecido pela forma como vigariza clientes em tudo similares ao homem, um charlatão de naftalina e algumas traças. O homem comprou um inútil piano de espelhos que para nada serve, não é um piano, entenda-se, é um piano de espelhos. A diferença, não tem cordas, pedais, martelos, a tampa não abre e as teclas não cedem, ademais não tem as pretas nem as brancas, só tem espelhos e espelhinhos. Gastou um balúrdio neste artefacto inútil, mais do que algum cliente havia até então gasto, assim sendo, melhor cliente de achados peculiares feitos de espelhos que custam demasiado para um burlado amorfo. O homem de burlado tem tudo e de amorfo muito pouco, é um burlado fora de série, o sobredotado dos vigarizados – peço-vos que aceitem que o charlatão nem é assim tão talentoso. Tem um piano de espelhos, é certo, um piano que não toca e nem tem os que os pianos têm para serem pianos, as teclas espelhos e espelhinhos, a tampa um espelho grande que não é tampa é um espelho grande inamovível, os pedais não existem, defeito de fabrico, os martelos não martelos e sem cordas para martelar – não há cordas de vidro, reparem. A loja uma espelunca empoeirada num escuro de cinco e meia da tarde de Dezembro, num eterno escuro de cinco e meia da tarde de Dezembro, numa reentrância da rua que a engoliu e ninguém lá vai. Daí o charlatão ter poucas oportunidades de pôr em prática o que aprendeu em novo, corolário de uma linha sucessória de negociantes de pechisbeque, material faz de conta, como o piano de espelhos que ele adquiriu por tuta e meia num poço abandonado, tuta de um balde e meia de meia corda que roubou a caminho numa feira de gado almiscarada. Tuta e meia um balúrdio para o pobre homem que o levou para bem longe na esperança de martelos a martelar em cordas, mas como se não há martelos quanto mais cordas de vidro, levou-o por tuta e meia que lhe custou um balúrdio para logo ensaiar os pedais imaginários, sustento do ainda mais pobre charlatão.
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