sexta-feira, 6 de março de 2009

Logro Utilitarista


“A eutanásia pode parecer horrível, desumana, mas os seres humanos que já não podem cuidar de si e cuja vida é um sofrimento devem ser ajudados; esta opinião não é desumana. Nunca pensei que isto fosse contrário à ética ou à moral.”
Sedutores argumentos oferece, em cabazes natalícios gratuitos, o populismo de esquerda. E de bom grado os comem os incautos votantes. Mas os leitores do Café Odisseia são de outro quilate, pensadores reflectidos e abertos ao diálogo. Como tal, hoje trago-vos morte a rodos, para vos alegrar.
O trecho supracitado que, estou em crer, muita gente conquistou; poderia até ser slogan do Bloco de Esquerda; foi proferido por Karl Brandt, a 4 de Fevereiro de 1947, no Tribunal Internacional de Nuremberga. Brandt, Comissário para Saúde do Reich, dirigiu o processo de implementação da eutanásia na Alemanha. Na letra da lei podia ler-se que a eutanásia serviria para libertar “pela morte, as pessoas que, dentro do julgamento humano e depois de aturado exame médico, sejam declaradas incuráveis”. O resultante foi repugnante: milhares de doentes mentais e velhos assassinados.
Com este exemplo pretendo demonstrar como esta questão é movediça, permitindo, sob vestes humanistas, criar os maiores atropelos à dignidade da pessoa humana.
A Ordem dos Médicos já referiu a necessidade de um debate público sobre o tema. De facto, tudo indica que na sequência dos temas fracturantes de esquerda (aborto, casamento entre homossexuais), este seguirá o cortejo. Creio que o “debate transversal à sociedade” nada terá de sério, de ponderado e diversificado – em suma, não será honesto! Adivinha-se uma imprensa parcial e inclinada, pois é tão fácil, para a “Morte com Dignidade”. Adivinha-se uma imprensa cega a valores e a opiniões contrárias.
Vou mais longe, considero um embuste a inocente questão: concorda com a eutanásia? Uma temática com tantas cambiantes e passível de originar desvios grotescos não se pode simplificar a nível atómico, não se pode empacotar e servir ao almoço na pré-escola.
Fundamentar a eutanásia na cultura ocidental é uma tarefa complexa. Poderíamos vasculhar a antiguidade clássica, poderíamos meter o nariz na Idade do Bronze, e o mais que teríamos seriam umas quantas ideias de honra homérica, uma honra dependente de humores pouco heróicos, com tendência a resvalar para o choro medricas e desertor. Não somos samurais e aqui não há harakiri! Aliás, o nosso sangue latino rapidamente criaria anticorpos para a disciplina japonesa.
Como tal, chega a ser imbecil lutar pela eutanásia e negligenciar os cuidados paliativos. Deveríamos, isso sim, defender um forte investimento na Medicina da Dor, melhorando as condições de vida daqueles que, mesmo incapacitados, desejam viver e não aceitam que a sua vida seja quantificada por critérios de proporcionalidade. Quem poderá dizer que a vida de uma pessoa acamada vale menos do que a de uma saudável? Pelos vistos a “tábua de conversão do valor da vida” circula pelas mãos de muito boa gente.
O cúmulo é achar natural que terceiros possam pôr e dispor da vida de pessoas em coma, como aconteceu com os pais da menina italiana que, fartos de carregar o empecilho, decidiram por cobro à situação. Compreendo que a minha linguagem áspera choque os leitores, peço desculpa pela dureza dos factos que não tento toldar.
Marcel Proust, no momento da sua morte, viu uma senhora gorda vestida de negro aos pés da cama, era a Morte. A “Morte com Dignidade”, a discutir brevemente, será bem mais sedutora, de belos trajos, bem maquilhada; será um gigantesco logro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a tua opinião! Também acho que esta não é a altura mais indicada para discutir tal questão ,uma vez que já "estão em cima da mesa" outras questões de conteúdo sensivel como é o caso do casamento homossexual; e penso que é o caminho mais fácil e o mais insensivel perante um bem jurídico absoluto que a nossa lei tenta defender ao máximo. Os cuidados paliativos, que em paises como o Canadá, são um direito garantido aos cidadãos e o melhoramento do sistema nacional de saúde, do meu ponto de vista, são os primeiros passos a dar para uma morte digna.
Contudo, respeito quem, em plena capacidade mental e de forma esclarecida, decida pôr fim à sua vida. Mas discordo com a possibilidade de terceiros decidirem sobre a vida de outrem.


"A vida é um valor absoluto de homens relativos" (aula de direito penal)

eXTReMe Tracker