Agradecimentos ao Estado Sentido
Diante de mim está um jornal em que acabo de ler o relato das festas com que a Inglaterra celebrou a coroação do novo rei. Diz-se que há muito a Monarquia inglesa é uma instituição meramente simbólica. Isso é verdade, mas dizendo-o assim deixamos escapar o melhor. Porque, efectivamente, a Monarquia não exerce no Império britânico nenhuma função material e palpável. Seu papel não é governar, nem administrar a justiça, nem mandar o Exército. Mas nem por isso é uma instituição vazia, carente de serviço. A Monarquia da Inglaterra exerce uma função determinadíssima e de alta eficácia: a de simbolizar. Por isso o povo inglês, com deliberado propósito, deu agora inusitada solenidade ao rito da coroação. Ante a turbulência actual do continente quis afirmar as normas permanentes que regulam sua vida. Deu-nos mais uma lição. Como sempre – já que a Europa sempre pareceu um tropel de povos –, os continentais, cheios de génio, mas isentos de serenidade, nunca maduros, sempre pueris, e ao fundo, atrás deles, a Inglaterra... como a "nurse" da Europa.
Este é o povo que sempre chegou antes ao porvir, que se antecipou a todos em quase todas as ordens. Praticamente deveríamos omitir o quase. E eis aqui que este povo nos obriga, com certa impertinência do mais puro dandysmo, a presenciar seu vetusto cerimonial e a ver como actuam – porque não deixaram nunca de ser actuais os mais velhos e mágicos utensílios de sua história, a coroa e o ceptro que entre nós regem apenas a sorte do baralho. O inglês faz empenho de nos fazer constar que seu passado, precisamente porque passou, porque lhe passou, continua existindo para ele. Desde um futuro ao qual não chegamos mostra-nos a vigência louçã de seu pretérito (24), Este povo circula por todo o seu tempo, é verdadeiramente senhor de seus séculos, que conserva em activa posse. E isso é ser um povo de homens: poder hoje continuar no seu ontem sem por isso deixar de viver para o futuro, poder existir no verdadeiro presente, já que o presente é só a presença do passado e do porvir, o lugar onde pretérito e futuro efectivamente existem.
Com as festas simbólicas da coroação, a Inglaterra opôs, mais uma vez, ao método revolucionário o método da continuidade, o único que pode evitar na marcha das coisas humanas esse aspecto patológico que faz da história uma luta ilustre e perene entre os paralíticos e os epiléticos.
4 comentários:
Interpretando bem esse excerto que, se não me engano, se retira de um texto designado "do pacifismo" chegamos a uma conclusão cristalina: era ridículo mudarmos agora para uma monarquia. Por uma questão de...continuidade. Parece-me lógico.
não me parece que estejas a interpretá-lo bem.
seria ridículo mudar, através de uma revolução. por uma questão de continuidade.
O excerto é retirado do "Prólogo aos Franceses" com que se inicia a obra "A Rebelião das Massas". E serve precisamente para demonstrar o falhanço do método revolucionário continental, de inspiração francesa (de que Ortega y Gasset se ocupa uns parágrafos antes). Como costuma dizer Paulo Teixeira Pinto, não vai ver monárquicos a pegar em armas para fazer uma qualquer revolução....
Confundi o início com o fim do livro. É que na parte do pacifismo, se bem recordo, diz coisas similares.
De qualquer forma não posso desenvolver o raciocínio. Mas o sentido deste texto, mantenho o que disse, vai ao encontro de não se alterarem repúblicas já seguras de si. O elogio aos ingleses é pelo respeito às instituições; numa república, a transiçao para a monarquia (ou o rgresso) seria sempre uma ruptura, ainda que não se pegasse em armas. O mesmo despeito à continuidade que haveria caso se optasse pela inversa.
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