Ordem espontânea. Na década de 1970, Hayek publica os três volumes de Law, "Legislation and Liberty" (respectivamente em 1973, 1976 e 1979), nos quais desenvolve a distinção crucial entre ordem espontânea e organização: enquanto na primeira os indivíduos apenas obedecem a regras gerais de boa conduta iguais para todos e independentes de propósitos particulares, numa organização os indivíduos estão integrados numa comunidade de propósitos e obedecem a comandos específicos que visam alcançá-los.
A sociedade liberal é uma ordem espontânea em que as leis são basicamente expressão de regras de boa conduta há muito enraizadas na opinião popular e que os juízes apenas interpretam e tornam expressas. Não podem ser criadas arbitrariamente com o desígnio de atingir objectivos particulares.
Estas leis devem por isso ser distinguidas da legislação: esta inclui as medidas parcelares tomadas pelo governo e pelo parlamento, que devem apenas regular aqueles delimitados domínios colectivos em que o governo é chamado a intervir.
Civilização da liberdade. No seu livro de 1944, "O Caminho para a Servidão", Hayek anteviu que as lições da Segunda Guerra Mundial iam ser mal entendidas no pós-guerra. E a mais gritante expressão desse mal-entendido terá sido a derrota eleitoral de Churchill em 1945, depois de ter vencido a guerra. Winston Churchill aliás citou este livro de Hayek na sua campanha eleitoral de 1945 (o que talvez não tenha sido a melhor táctica eleitoral). Ambos queriam opor-se ao crescimento do controlo governamental sobre a vida social, civil e económica das nossas sociedades livres.
A referência a Winston Churchill é muito adequada neste particular, a mais de um título. Se há algo que considero verdadeiramente tocante neste livro de Hayek, é sem dúvida a sua profunda e sincera admiração pela tradição política e cultural inglesa. Até meados-finais do século 19, a admiração pela livre Inglaterra era timbre das pessoas educadas. Podiam estar mais à direita ou mais à esquerda, podiam ser mais conservadoras ou progressistas, mas em regra partilhavam uma genuína admiração pela tradição inglesa de liberdade ordeira, evolução gradual, alergia aos extremismos, sentido voluntário do dever.
Esta admiração foi sendo minada pelo crescimento das ideologias antiliberais, antiparlamentares e anti-"capitalistas", da direita e da esquerda. Hayek viu-as crescer na sua Áustria natal e pressentiu o desastre. Exilado na sua amada Inglaterra, adoptou a cidadania britânica e nunca se cansou de tentar entender as tradições inglesas - mesmo depois de ter ido viver e ensinar para a América.
Virtudes burguesas.Contrariamente à visão corrente do chamado capitalismo - quer entre os seus críticos, quer entre muitos dos seus defensores - Hayek não considerava as economias de mercado moralmente neutras ou fundadas no egoísmo. Acreditava que estavam associadas a uma mundovisão com origens nas raízes da civilização ocidental, à cultura de Atenas e Roma, bem como à tradição judaico-cristã.
Ao defender o retorno aos princípios liberais e democráticos do governo limitado, comércio livre e livre empreendimento, Hayek bateu-se também pela redescoberta das chamadas "virtudes burguesas", que tinham estado na base da Inglaterra liberal: "A independência, a iniciativa individual, a responsabilidade, o respeito pelos costumes e as tradições, a saudável desconfiança em relação ao poder e à autoridade."
João Carlos Espada, no i
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