É esta a raiz etimológica da palavra Religião. Usando o vocábulo cuidadosamente, quererá dizer "reunir em assembleia" ou "convocar em assembleia".
Quando se vê um reverendo a iniciar os discursos da tomada de posse de um Chefe de Estado, seja ele hereditário ou eleito, é natural entre os europeus, ainda para mais entre portugueses, notar grande estranheza e revolta. E muitas reacções assim o foram aquando do discurso de Obama, que manteve ao longo da sua duração várias referências à religião.
O que faz falta dizer, entre a já muito proclamada discussão, é que a religião para os americanos tem um significado muito diferente que para o da grande maioria dos europeus. Podemos ligar este factor à história dos países e a sua maior abertura para com a liberdade religiosa.
Por exemplo, no Reino Unido, a Rainha de Inglaterra é coroada pelo bispo de Cantuária, a segunda personagem da igreja anglicana, porque a separação dos reis de Inglaterra do mundo Católico tem, na história deste país, um significado de independência e soberania nacional.
Em França, onde a Igreja Católica era parte da extensa máquina administrativa da monarquia absolutista do século XVIII, ganhando a inimizade dos periclitantes e empobrecidos órgãos republicanos e da burguesia, deu-se o primeiro grande caso de perseguição estatal à Igreja após a Revolução, que terminou no jacobinismo ateísta, ainda mais perverso para as liberdades dos cidadãos que a presença poderosa que a igreja tivera na vida dos súbditos dos Bourbon.
Em Portugal e Espanha, seguindo as palavras de Voltaire, a Igreja tinha como maior encargo ser o único órgão capaz de limitar a acção do Monarca, mas o jacobinismo francês, uma vez plantado em terras ibéricas, fez questão de distorcer várias vezes a história nacional e a sua ligação à religião.
Na Polónia e em grande parte dos países da Europa de Leste assistiu-se a um revivalismo religioso no simbolismo político, como forma de sacudir a poeira opressiva que os regimes comunistas, considerando a religião como um ópio do povo, submeteram a estes povos. Isto deve-se também ao activismo de grupos católicos e ortodoxos na luta clandestina contra a URSS.
Na América a Religião é um sinónimo de Liberdade. Foi a grande liberdade de culto que alimentou inicialmente o espírito e ideais republicanos daquela terra, foi a religião que permitiu aos intelectuais daquele tempo perceber as sábias palavras dos iluministas que preconizavam uma igualdade inspirada, entre várias coisas, no Cristianismo.
O que mantém esta simbologia cristã nas cerimónias públicas dos americanos é a Tradição, mas não somente pelos seus valores de imitação e continuidade (já aqui falei no que acontece às Tradições caducas). Todos esses valores inspirados pelo "God Bless America" ou "One Nation Under God" têm um significado intrinseco que os americanos usam para glorificar os que já passaram, muitas vezes morrendo por esses valores, e inspirar toda uma nova geração a abraçá-los e adoptá-los. Não se trata de um esforço para criar um comportamento-modelo por parte do Estado, mas sim da Tradição de um povo, com todo o seus significado para manter a sua dignidade e especificidade histórica. A Tradição, quando encontra nos seus símbolos os nobres valores que sempre representou, deixa de ser uma arma política e passa a ser um sinal de individualização dos povos, e os Americanos sabem-se únicos, e sabem que é isso que os torna a nação mais poderosa e provavelmente mais livre à face do planeta, capaz de se curar das mazelas governamentais de um mau executivo para ressurgir como terra prometida, sem usar de revoluções fracturantes, ao contrário do que é costume na Europa. É esta harmonia Povo-Estado-Indivíduo-Verdadeira Tradição que reforça a América.
Em Portugal não faz sentido usar este tipo de vocabulário nas cerimónias de investidura, por uma simples razão. O republicanismo português não tem qualquer simbolismo que o ligue ao povo português e à sua cultura, seja religiosa ou pagã (que a há). As cerimónias presidenciais, desde os tempos da Iº República, sempre foram realizadas em privado, na presença dos partidos ou entre os membros dos Conselhos, nunca foram motivo de júbilo para a sociedade. Assim, se o Presidencialismo Americano tem a força simbólica de uma coroação, o presidencialismo português é uma transição cuja espectativa se desmorona no momento da investidura.
O que não torna de todo insignificante a importância de uma presença de elementos religiosos, católicos, nas nossas cerimónias públicas. Nelas costumam fazer parte representantes de congregações religiosas e comunidades, e em muitas acções externas ainda levam na sua extensa comitiva os nossos Ministros dos Negócios Estrangeiros um enunciado da Igreja Católica, se bem que cada vez se torna mais raro este feito. De facto, nas cerimónias da Independência de Timor Leste, estavam representantes que, caso fosse comum no nosso país dar à Tradição o seu verdadeiro Valor, estariam presentes sem qualquer tipo de problemas. No entanto, se o representante da Casa Real e os bispos da Igreja Católica participaram desses felizes eventos, foi mais a convite e respeito da recém-nascida nação que por vontade governamental nossa, devido ao reconhecimento que o povo timorense dá na importância dessas figuras para o seu processo de independência.
2 comentários:
Já no Estado Sentido agradeci a referência, e é com prazer que constato a excelência do vosso blog! Com a devida permissão irei "roubar" parte deste post lá para o burgo!
Saudações
com todo o gosto samuel, agradeço em nome dos odisseus.
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