Texto retirado do Ordem Livre, disponível na íntegra aqui.
"O texto a seguir reproduz o discurso de Alexis de Tocqueville na Assembléia Constituinte francesa em 12 de setembro de 1848. Os socialistas da época defendiam o direito ao trabalho, e que o governo deveria implementar políticas que criassem empregos assalariados para todos. Apesar de parecer lugar comum para os nossos dias, as idéias socialistas eram novidade na França de Tocqueville, e foram denunciadas por ele por ser contrárias aos ideais democráticos da república francesa. Mesmo prematura, a crítica de Tocqueville atinge o alvo dos problemas morais e políticos do socialismo."
Há uma coisa que me choca mais do que qualquer outra. É que o Antigo Regime, que sem dúvida diferia em muitos aspectos do sistema de governo que os socialistas reivindicam (e precisamos compreender isso), estava, em sua filosofia política, muito mais próximo do socialismo do que se pensa. Muito mais próximo do que estamos hoje. Na verdade, o Antigo Regime assegurava que somente o Estado era sábio e que os cidadãos são seres fracos e debilitados que devem ser eternamente guiados pela mão para que não se machuquem. Afirmava que era necessário obstruir, conter e restringir a liberdade individual; que, para assegurar a abundância dos bens materiais, era imperativo organizar a indústria e impedir a livre competição. Sob esse aspecto, o Antigo Regime propunha as mesmas coisas que os socialistas de hoje.
Foi a Revolução Francesa que negou isso.
Cavalheiros, o que foi isso que quebrou as correntes que, de todos os lados, impediam a livre movimentação dos homens, dos bens e das idéias? O que restabeleceu a individualidade do homem, que é a sua verdadeira grandeza? A Revolução Francesa! [ Aprovação e clamor ] Foi a Revolução Francesa que aboliu todos esses obstáculos, que arrebentou as correntes que vocês trariam de volta sob um novo nome. E não foram apenas os membros dessa assembléia imortal – a Assembléia Constituinte, a assembléia que fundou a liberdade, não apenas na França, mas em todo o mundo – que rejeitaram as idéias do Antigo Regime. Foram os homens eminentes de todas as assembléias que a seguiram!
E após essa grande revolução, o resultado será aquela sociedade que os socialistas nos oferecem, uma sociedade formal, organizada, fechada, onde o Estado é responsável por tudo, onde o indivíduo não conta, onde a comunidade acumula todo o poder, toda a vida, onde o fim designado para um homem é apenas o seu bem estar material – essa sociedade em que o próprio ar sufoca e em que a luz mal consegue penetrar? Foi para essa sociedade de trabalhadores incansáveis, antes animais capacitados do que homens livres e civilizados, que a Revolução Francesa aconteceu? Foi por isso que tantos homens morreram no campo de batalha, na forca, que tanto sangue nobre molhou a terra? Foi por isso que tantas paixões foram inflamadas, que tanta inteligência, tanta virtude andou por essa terra?
Não! Eu juro pelos homens que morreram por essa grande causa! Não foi por isso que morreram. Foi por algo muito maior, mais sagrado, que merecia mais dedicação, deles e da humanidade. [“Excelente.”] Se ela aconteceu apenas para criarmos um sistema como esse, a Revolução foi um desperdício terrível. Um Antigo Regime aperfeiçoado teria servido adequadamente. [Clamor prolongado.]
Mencionei agora há pouco que o socialismo fingia ser a continuação legítima da democracia. Não pesquisei pessoalmente, como alguns de meus colegas fizeram, pela etimologia real dessa palavra, a democracia. Não vou revirar o jardim das raízes gregas, como foi feito ontem, para procurar a origem dessa palavra. [Risos.] Procuro pela democracia onde eu a vi, viva, ativa, triunfante, no único país da terra onde ela existe e no único lugar onde ela possivelmente poderia ter-se estabelecido com estabilidade no mundo moderno – na América. [Sussurros.]
Lá se encontra uma sociedade na qual as condições sociais são ainda mais iguais do que entre nós; em que a ordem social, os costumes, as leis, são todas democráticas; onde todos os tipos de pessoas entraram e onde cada indivíduo ainda possui uma completa independência, mais liberdade do que se tem notícia em qualquer outro lugar ou tempo; um país essencialmente democrático, as únicas repúblicas completamente democráticas que o mundo já conheceu. E nessas repúblicas procurar-se-á em vão o socialismo. Não apenas as teorias socialistas não cativaram a opinião pública, como possuem um papel tão insignificante na vida intelectual e política dessa grande nação que não se poderia nem ao menos dizer que as pessoas as temem.
Os Estados Unidos são, hoje, o único país no mundo onde a democracia é completamente soberana. Além disso, é o país onde as idéias socialistas, as quais os senhores presumem estar de acordo com a democracia, tiveram menor influência, o país onde aqueles que apóiam as causas socialistas estão, por certo, um uma posição de desvantagem. Eu, pessoalmente, não acharia inconveniente, se fossem para lá propagar sua filosofia, mas para seu próprio bem, eu não os aconselharia. [Risos]
Um deputado: As mercadorias deles estão sendo vendidas agora.
Cidadão de Tocqueville: Não, cavalheiro. A democracia e o socialismo não são conceitos interdependentes. Eles não são apenas diferentes, mas filosofias opostas. A democracia expande a esfera da independência pessoal; o socialismo a confina.É compatível com a democracia instituir um governo intrometido, superabrangente e restritivo, desde que ele tenha sido escolhido pela população e aja em nome do povo? Será que o resultado não seria a tirania, sob o disfarce de um governo legítimo que, ao se apropriar dessa legitimidade asseguraria para si o poder e a onipotência que de outra forma lhe faltaria? A democracia valoriza o que o homem tem de melhor; o socialismo faz de cada homem um agente, um instrumento, um número. A democracia e o socialismo só possuem uma coisa em comum – a igualdade. Mas percebam bem a diferença. A democracia visa a igualdade através da liberdade. O socialismo busca a igualdade pela força e a servidão. [ “Excelente, exc
Cavalheiros, o que foi isso que quebrou as correntes que, de todos os lados, impediam a livre movimentação dos homens, dos bens e das idéias? O que restabeleceu a individualidade do homem, que é a sua verdadeira grandeza? A Revolução Francesa! [ Aprovação e clamor ] Foi a Revolução Francesa que aboliu todos esses obstáculos, que arrebentou as correntes que vocês trariam de volta sob um novo nome. E não foram apenas os membros dessa assembléia imortal – a Assembléia Constituinte, a assembléia que fundou a liberdade, não apenas na França, mas em todo o mundo – que rejeitaram as idéias do Antigo Regime. Foram os homens eminentes de todas as assembléias que a seguiram!
E após essa grande revolução, o resultado será aquela sociedade que os socialistas nos oferecem, uma sociedade formal, organizada, fechada, onde o Estado é responsável por tudo, onde o indivíduo não conta, onde a comunidade acumula todo o poder, toda a vida, onde o fim designado para um homem é apenas o seu bem estar material – essa sociedade em que o próprio ar sufoca e em que a luz mal consegue penetrar? Foi para essa sociedade de trabalhadores incansáveis, antes animais capacitados do que homens livres e civilizados, que a Revolução Francesa aconteceu? Foi por isso que tantos homens morreram no campo de batalha, na forca, que tanto sangue nobre molhou a terra? Foi por isso que tantas paixões foram inflamadas, que tanta inteligência, tanta virtude andou por essa terra?
Não! Eu juro pelos homens que morreram por essa grande causa! Não foi por isso que morreram. Foi por algo muito maior, mais sagrado, que merecia mais dedicação, deles e da humanidade. [“Excelente.”] Se ela aconteceu apenas para criarmos um sistema como esse, a Revolução foi um desperdício terrível. Um Antigo Regime aperfeiçoado teria servido adequadamente. [Clamor prolongado.]
Mencionei agora há pouco que o socialismo fingia ser a continuação legítima da democracia. Não pesquisei pessoalmente, como alguns de meus colegas fizeram, pela etimologia real dessa palavra, a democracia. Não vou revirar o jardim das raízes gregas, como foi feito ontem, para procurar a origem dessa palavra. [Risos.] Procuro pela democracia onde eu a vi, viva, ativa, triunfante, no único país da terra onde ela existe e no único lugar onde ela possivelmente poderia ter-se estabelecido com estabilidade no mundo moderno – na América. [Sussurros.]
Lá se encontra uma sociedade na qual as condições sociais são ainda mais iguais do que entre nós; em que a ordem social, os costumes, as leis, são todas democráticas; onde todos os tipos de pessoas entraram e onde cada indivíduo ainda possui uma completa independência, mais liberdade do que se tem notícia em qualquer outro lugar ou tempo; um país essencialmente democrático, as únicas repúblicas completamente democráticas que o mundo já conheceu. E nessas repúblicas procurar-se-á em vão o socialismo. Não apenas as teorias socialistas não cativaram a opinião pública, como possuem um papel tão insignificante na vida intelectual e política dessa grande nação que não se poderia nem ao menos dizer que as pessoas as temem.
Os Estados Unidos são, hoje, o único país no mundo onde a democracia é completamente soberana. Além disso, é o país onde as idéias socialistas, as quais os senhores presumem estar de acordo com a democracia, tiveram menor influência, o país onde aqueles que apóiam as causas socialistas estão, por certo, um uma posição de desvantagem. Eu, pessoalmente, não acharia inconveniente, se fossem para lá propagar sua filosofia, mas para seu próprio bem, eu não os aconselharia. [Risos]
Um deputado: As mercadorias deles estão sendo vendidas agora.
Cidadão de Tocqueville: Não, cavalheiro. A democracia e o socialismo não são conceitos interdependentes. Eles não são apenas diferentes, mas filosofias opostas. A democracia expande a esfera da independência pessoal; o socialismo a confina.É compatível com a democracia instituir um governo intrometido, superabrangente e restritivo, desde que ele tenha sido escolhido pela população e aja em nome do povo? Será que o resultado não seria a tirania, sob o disfarce de um governo legítimo que, ao se apropriar dessa legitimidade asseguraria para si o poder e a onipotência que de outra forma lhe faltaria? A democracia valoriza o que o homem tem de melhor; o socialismo faz de cada homem um agente, um instrumento, um número. A democracia e o socialismo só possuem uma coisa em comum – a igualdade. Mas percebam bem a diferença. A democracia visa a igualdade através da liberdade. O socialismo busca a igualdade pela força e a servidão. [ “Excelente, exc
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