sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A clareza Anarquista

O Rui Botelho Rodrigues fez o simpático de favor de me atribuir uma importância que eu, definitivamente, não tenho.
Agradeço muito a sua resposta ao meu email e post, o qual os meus queridos leitores podem ler aqui.
Gosto do Sem Governo porque defende coisas que eu prezo infinitamente, como a propriedade e a liberdade.
O contacto que tenho com a intelectualidade de RBR parte, no entanto, de uma enorme contrapartida: RBR tem uma percepção do mundo e da Vida diferente da minha nos conceitos-base. Direi que, além da inimizade partilhada contra o socialismo - da qual eu considero apenas mais uma perversão possível do liberalismo, da qual o libertarianismo de RBR é apenas mais uma - apenas partilhamos preferências culturais (óptimo bom gosto para música) e o carácter verdadeiramente tolerante que cada um partilha. O meu conservadorismo não implica a aniquilação de RBR, e o seu libertarianismo não implica a negação da minha individualidade.
Acredito que, no sonho político de cada um, eu viveria muito bem na Anarquia de RBR, e ele também na minha Monarquia.
O Rui é individualista, eu tenho uma abordagem personalista.
O Rui vive, como todos os libertários, com um quase-esquizofrénico receio de coerção. Faz-me pensar que a sua doutrina política é quase toda saída de um grupo de antigas crianças que fugiam de casa para não comer a sopa.
Não me parece que eu partilho de qualquer tipo de hobbesianismo. A minha percepção do Estado poderá ser tomista, cristã católica, mas não depende de um déspota iluminado: é anterior às teorias contratualistas.
Concordo absolutamente com o RBR quando se refere ao misticismo do Bem Comum. Talvez seja uma mera ficção. Talvez até a liberdade seja uma ficção. Mas as ficções são necessárias.
No entanto, a "Anarquia de Consumidores" parece-me um projecto tão irrealista como a minha Monarquia ingénua.
Talvez o RBR acredite que seria possível a humanidade, aliás, a colecção de indivíduos de todo mundo com os seus respectivos objectivos, manter uma ordem natural das coisas sem qualquer forma de Governo.
A mim parece-me que, logo após o fim dos governos, as pessoas tratariam de arranjar outros.

14 comentários:

Anónimo disse...

"Qualquer tentativa de aceder à intelecção do sentido predicativo da natureza humana esgotando-a num emaranhado de tratos políticos e sociológicos, revelar-se-á inospitamente frustrada(..)"

Não apelando a qualquer teoria contratualista - ou outra - que vise compartimentar as relação orgânicas entre governantes e governados, deixo apenas um fugaz vislumbre sobre uma ideia acerca da qual tentarei reflectir mais tarde:

Suportando toda a carga histórica do Setecentos Iluminista e tendo nos últimos três séculos experimentado, impermeável às vicissitudes do tempo, sucessivas formas de governo representativo, seria o animal biológico-político em que se esgota o homem ocidental tal-qual chega aos nossos dias, capaz de tolerar uma completa, ainda que "clara", alienação do aparelho do Estado?

Largo, em tal tempestade de prelecções, esta centelha, com esperança de reatar continuamente a frutífera troca de saberes a que tenho prontamente assistido.

Um grande bem haja de um ainda tenro estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Fernando Ferreira Leite

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

i believe the answer is, simply, not.

Anónimo disse...

Da sua parte a resposta é claramente óbvia, tendo em conta os informes que nos deu a conhecer.

Fico-me, porém, pela esperança de que o Sr. Rui Botelho Rodrigues nos queira dar um mais profundo esclarecimento do ponto de vista de uma - essa sim - mística, Esquerda Revolucionária...

Fernando Ferreira Leite

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Atenção Fernando, o Rui nada tem de semelhante à esquerda revolucionária.

Não sei se está a fazer confusão nesse ponto ou não, mas o anarquismo libertário nada tem de semelhante ao anarquismo revolucionário.

O Rui é um discípulo de Rothbard, de Mises, um livre-cambista.

vxcvxvc disse...

se pensarmos que, na assembleia francesa, Bastiat se sentava à esquerda de Proudhon. Nesse sentido, sou de esquerda.

e já agora, obrigado por me defender das acusações, Manuel.

vxcvxvc disse...

eu não acredito, como os anarco-socialistas, que uma vez removido o Estado todas as pessoas vão viver em comunidades e respeitar os direitos dos outros. em primento lugar porque para os ansocs a propriedade privada é em si uma forma de agressão, e para mim só se pode definir agressão com uma teoria de propriedade privada.

baseado num código legal libertário (fundado no princípio de não-agressão) a consequência natural será o anarco-capitalismo, que não exclui obviamente o uso de violência contra quem inicia agressão.

apenas assegura a provisão de lei e ordem por empresas em competição, em vez de por um monopólio territorial com o poder de nos obrigar a comprar os seus serviços ao preço arbitrariamente fixado pela legislatura.

a realização prática desta crença é, como já disse, outra história.

Anónimo disse...

Quer parecer-me que a palavra "acusações" não é, de todo, devidamente enquadrada neste contexto.

Queira desculpar-me se as minhas anteriores palavras pecaram por falta de clareza.

Não pretendi de modo algum confundir o "Anaquismo Libertário" com "Anarquismo Revolucionário", ideologias que considero até, por matéria, paralelas.

O que quis, foi, em brevíssimos traços, mostrar que pela sua natureza, este Homem que antes de societário é biológico, não se coadunaria com qualquer tentativa de fixação de uma anomia, ou de uma anarquia, seja ela mutualista ou capitalista.

A história, bem como os fundamentos de teorização do Direito Económico e Comercial mostrarão isso mesmo.

Esta será, no entanto, uma matéria a desenvolver a seu tempo...


Fernando Ferreira Leite

vxcvxvc disse...

«este Homem que antes de societário é biológico, não se coadunaria com qualquer tentativa de fixação de uma anomia, ou de uma anarquia, seja ela mutualista ou capitalista.»

quer isto dizer que, seja qual for a circunstância histórica, o animal humano precisa de coerção institucionalizada para funcionar em sociedade? eu acredito exactamente no contrário: que é a circunstância histórica que permite o poder do Estado, e que a nossa condição biológica não requer qualquer instituição do género - só foi convencida disso por séculos de propaganda. porque será, aliás, que contra toda a racionalidade, toda a história e toda a ética, o igualitarismo e o socialismo ainda perduram nas mentes mais distraídas?

a minha perspectiva é, e para chamar Proudhon à conversa, que a liberdade é a mãe, não a filha, da ordem.

mas ainda assim, tudo isso concerne o domínio da prática. no domínio ético, o Estado continua a ser injustificado e defender a sua existência é sempre defender a existência de agressão contra inocentes.

Anónimo disse...

Caro Rui Botelho Rodrigues,

não, o homem não necessitará de um quadro coercivo institucionalizado para viver em sociedade, necessita sim de uma validamente predicada ordem axiológica moldada à realidade histórica vigente. Ordem essa, nos últimos três séculos, encarnada na figura do Estado.

Sim, como afirma, será a "circunstância histórica que permite o poder do Estado". Do Estado ou de outro qualquer organismo historicista institucionalizante de uma ordem, seja esta coerciva ou não.
Este facto advém, mais uma vez, não apenas da procura constante e inatamente humana de um "chosmos" que suprima o "chaos" instaurado, mas também da tendência desviante à formação de um "corpo governativo" predilecto.

Repito-me afirmando que, nos últimos três séculos da História Ocidental o Estado é a personificação orgânico-material desta biologicamente necessária dicotomia.

O interessante, ainda que discutível, dito de P. J. Proudhon ganhará sentido se analisado à luz da lógica dinâmica das ideologias anarco-federalistas. O escrutínio cientifico actual, vem, na linha do que disse, desaprovar tal premissa.

Diria até que o Homem na sua condição de animal biológico se torna "escravo" dessa procura incessante do "Chosmos", da Ordem ideal. A Liberdade parte dessa base estável.


Fernando Ferreira Leite

vxcvxvc disse...

«uma validamente predicada ordem axiológica moldada à realidade histórica vigente»

vou tentar assumir que o Fernando tem razão neste ponto, e que o Estado realmente encarna essa ordem.

restam ainda duas coisas que eu, como anarquista com princípios, posso fazer: tentar educar os meus compatriotas para a superioridade da liberdade sobre a servidão.

a outra, é continuar a dizer que, mesmo que uma sociedade sem coerção institucionalizada seja impossível, é a única forma justa e moral.

não sei se o Fernando é cristão praticante, mas parece-me que sim. não devia portanto dar mais crédito aos princípios morais que a sociedade deve observar, em vez de ser um apologista articulado da agressão institucionalizada?

e já agora gostava que eventualmente o Fernando dissesse com clareza que acredita em escravidão parcial por uma questão pragmática, e que na matéria suja da política, um homem não pode ter princípios éticos absolutos ou será, credo deus nos livre, um idealista.

como Lord Acton disse: Liberalism wishes for what ought to be, irrespective of what is.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

"Repito-me afirmando que, nos últimos três séculos da História Ocidental o Estado é a personificação orgânico-material desta biologicamente necessária dicotomia."

Fernando, se esta é uma lausão à Rev. Francesa, ou à criação de estado liberal-constitucional, terei de discordar profundamente.

o seu liberalismo não difere muito do RBR, nesse caso. é tudo uma questão de discutir qual das perversões iluministas (ou derivadas) é a mais correcta.

"não sei se o Fernando é cristão praticante, mas parece-me que sim. não devia portanto dar mais crédito aos princípios morais que a sociedade deve observar, em vez de ser um apologista articulado da agressão institucionalizada?"

RBR, um católico, por muitas simpatias que tenha pela Anarquia, não poderá compactuar nunca com uma sociedade em que o aborto seja aceite como uma prática cujos efeitos incidam somente sobre a responsabilidade de uma pessoa.
No limite, deve haver uma autoridade que previna a destruição da vida humana.

vxcvxvc disse...

Quanto à «autoridade que previna a destruição da vida humana», não é uma autoridade que o Manuel quer, é uma lei. e ela existe, é a lei da não agressão.

Tendo-a como princípio, creio que a posição libertária em relação ao aborto não exclui os católicos. e ela consiste no direito da mãe fazer a criança sair, mas não no direito de a matar ou de a deixar morrer. a partir do momento em que a criança sai do corpo da mãe, esta tem o dever de encontrar quem queira tomar conta dela (por exemplo, famílias católicas), e nunca o direito de a matar.

o ponto de discordância com a maior parte dos cristãos é que a criança indesejada é um parasita no corpo da mãe, e que esta sendo a justa proprietária do seu corpo tem o direito de se livrar do elemento parasítico. os cristãos asseguram que não, que a mãe não tem esse direito e, por consequência, que não é a justa proprietária do seu corpo. e com esse raciocínio eu não posso concordar.

mas podemos, no entanto, concordar que o Estado e as inúmeras intervenções na sociedade civil enfraquecem o valor da família, da comunidade e da religião (que eu respeito e, tirando a religião, e pratico), e que numa sociedade em que o Estado não existe, e logo que os valores tradicionais são mais fortes, o aborto seria um problema muito menos grave do que é hoje.

Anónimo disse...

Antes de retomar os pareceres relativos à troca de ideais que aqui se tem frutiferamente desenrolado, importa deixar claro que não me identifico com as ideias económicas liberais e livre-cambistas ,ou, pelo menos, com o que elas têm significado nas últimas décadas.

Nem tampouco sou Cristão. Diria que tento ainda descortinar a natureza daquilo a que chamo o meu "agnosticismo racionalizante".


Caro Rui Botelho Rodrigues,

não poderei afirmar que creio numa "escravidão parcial por uma questão pragmática". Acredito sim numa representatividade parlamentar pluro-partidária, que se traduzirá num garante da salvaguarda das, diria, "minorias políticas". Fosse o contrário e poder-me-iam considerar um adepto de uma qualquer perversão de um Nacional-Socialismo fascizante e elitista.

Partindo de tal premissa, poderei afirmar que o termo "servidão" talqual nos trouxe, não consta no dicionário político-parlamentarista que tanto caracteriza o universo dos Demo-Liberalismos actuais.


Caro Manuel Pinto de Resende,

com as minhaa considerações não visei uma alusão consciencializada à Revolução Francesa. Antes tentei, mais uma vez, salientar que a proliferação das ideologias liberais iluministas, mormente as ligadas aos "sussuros repúblicanos", tinham o Estado como a Ordem Institucionalizada, em detrimento de uma qualquer espécie de despotismo, ainda que esclarecido.

No que toca aos restantes temas cuja discussão se tem por cá reatado,

quer parecer-me que a minha visão do chosmos é informada por ideias em tudo divergentes dos quadros argumentativos aqui trazidos. Como tal, evitarei excogitar aquilo que realmente penso em relação às questões aqui trazidas.


Fernando Ferreira Leite

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Fernando,

duvido que tanto como na era dos partidos os direitos da minorias tenha sido posto em causa. basta ver o exemplo maravilhoso de parlamentarismo suíço.

e também me parece abusivo considerar que todos os regimes políticos antes do aparecimento do Estado liberal eram despotismos.

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