sábado, 29 de novembro de 2008

Querem Poesia?


A Mãe Do Cativo

I

Ó Mãe do cativo! que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

Ó Mãe do cativo! que fias à noite
As roupas do filho na choça da palha!
Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Tecesses o pano da branca mortalha.

Misérrima! E ensinas ao triste menino
Que existem virtudes e crimes no mundo
E ensinas ao filho que seja brioso,
Que evite dos vícios o abismo profundo...

E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
O raio da esperança...Cruel ironia!
E ao pássaro mandas voar no infinito,
Enquanto que o prende cadeia sombria!...

II

Ó Mãe! não despertes est'alma que dorme,
Com o verbo sublime do Mártir da Cruz!
O pobre que rola no abismo sem termo;
Pra qu'há de sondá-lo...Que morra sem luz.

Não vês no futuro seu negro fadário,
Ó cega divina que cegas de amor?!
Ensina a teu filho- desonra, misérias,
A vida nos crimes- a morte na dor.

Que seja covarde...que marche encurvado...
Que de homem se torne sombrio reptil.
Nem core de pejo, nem trema de raiva
Se a face lhe cortam com o látego vil.

Arranca-o do leito...seu corpo habitue-se
Ao frio das noites, aos raios do sol.
Na vida- só cabe-lhe a tanga rasgada!
Na morte- só cabe-lhe o roto lençol.

Ensina-o que morda...mas pérfido oculte-se
Bem como a serpente por baixo da chã
Que impávido veja seus pais desonrados,
Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.

Ensina-lhe as dores de um fero trabalho...
Trabalho que pagam com pútrido pão.
Depois que os amigos açoite no tronco...
Depois que adormeça co'o sono de um cão.

Criança- não trema dos transes de um mártir!
Mancebo- não sonhe delírios de amor!
Marido- que a esposa conduza sorrindo
Ao leito devasso do próprio senhor!...

São estes os cantos que deves na terra
Ao mísero escravo somente ensinar.
Ó Mãe que balanças a rede selvagem
Que ataste nos troncos do vasto palmar.

III

Ó Mãe do cativo, que fias à noite
À luz da candeia na choça de palha!
Embala teu filho com essas cantigas...
Ou tece-lhe o pano da branca mortalha.


Castro Alves.

Uma pequena nota para explicar a imagem que seleccionei. Preferia ter apresentado o poema Navio Negreiro de Castro Alves, porém a sua dimensão considerável o inviabilizou. No entanto, fica a indicação.
Abraço

1 comentário:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Do cadáver de um homem livre pode sair acentuado mau cheiro; nunca sairá um escravo...

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