quarta-feira, 8 de abril de 2009

Ele Optou Pelo Culto do Indivíduo

“Ainda por cima, o pavilhão dos cancerosos era o número treze!” É nesta desordem frásica que Alexandre Soljenitsine introduz o leitor na sua obra O Pavilhão dos Cancerosos. Através deste início desconcertado e desconcertante, o leitor mais arguto pode lograr aferir alguns traços (rude aproximação, ainda assim) característicos do autor. “Ainda por cima, o pavilhão dos cancerosos era o número treze!”Soljenitsine, autodidacta, homem sem tempo a perder com arranjos formais e técnicas narrativas intrincadas. De facto, se algo o preocupava, era com certeza a falta de tempo ou oportunidade para deixar registo de tudo quanto queria dizer, informação útil às futuras gerações – compendiada em maçudos volumes para servir à la carte.

Licenciado em matemática; soldado do exército vermelho, do qual seria irradiado por agitação anti-soviética (uma carta enviada a uma amigo na qual questionava as capacidades de liderança de Estaline - José Estaline para os Odisseus). Resultado – cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria, curso de horrores que lhe proporcionou o travo amargo de um comunismo desmedido e fratricida que já não era o seu. Escudou-se com versos, diálogos e narrativas que ia construindo mentalmente, numa mnemónica prodigiosa (na fase final do gulag necessitava de sete dias para rever tudo o que havia memorizado). Duas semanas antes do fim da pena, diagnosticaram-lhe cancro em fase avançada, previram-lhe duas semanas de vida… Milagrosamente (Soljenitsine refere nas suas memórias que acredita ter-se tratado de intervenção divina) ocorreu uma remissão do cancro.

Do gulag para o exílio e deste para a “liberdade”, a sua vida impulsionada pelo fervor produtivo (intercalado por pequenos retiros nos quais lia avidamente Hemingway e alguns autores europeus) levou-o ao reconhecimento público, aplauso geral dos intelectuais soviéticos, com o seu Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. A obra era marcadamente anti-estalinista, pelo que Nikita (Kruchtchev) a acolheu de braços abertos na sua ânsia de subir ao poder.

Com Nikita no comando da URSS as fileiras de censores voltaram a fechar-se em seu redor, e os seus escritos (abundantes, diga-se), só clandestinamente circulavam. Devemos referenciar, para além do supracitado Pavilhão dos Cancerosos, O Primeiro Círculo, o Arquipélago do Gulag – o seu livro de memórias O Carvalho e o Bezerro, também deve ser tido em linha de conta.

Soljenitsine deve ser lido, deve ser lido com muito respeito e atenção, pelo rigor histórico do seu legado, por ser dos poucos autores que se aventuraram na miséria soviética, por ter vivido na pele a sua gélida cadeia – enfim, por ser um autor mil vezes maldito, renegado ainda hoje pelos comunistas, fazendo-o cair num descrédito que não merece.
Fica, por fim, uma nota para a dificuldade de encontrar os seus livros. Aliás, só um deles é ainda editado (Um Dia na Vida de Ivan Denisovich).


"Dedico este livro a todos quantos a vida não chegou para o relatar. Que eles me perdoem não ter visto tudo, não ter recordado tudo, não me ter apercebido de tudo."
A. Soljenitsine, Arquipélago do Gulag

1 comentário:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

engraçado, nao me lebrava deste titulo... pensava que era outro, parecido.

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