Enraizou-se na cultura ocidental europeia, principalmente entre os países latinos, a ideia de que o pensamento capitalista e económico, ligados à metodologia científica e ao pensamento concreto e matemático, são frutos do protestantismo pós-reformista, frutos esses que, coadunados com a mentalidade dos povos nórdicos, criaram as condições de liberdade que mais tarde os povos do sul da Europa se resolveram a importar, muitas vezes de forma pouco saudável.
Apesar da boa verdade contida nesta linha de raciocínio, e do justo protagonismo que os povos do Norte, principalmente o inglês, têm na criação do regime democrático que veio solidificar as bases da tradição de liberdade que grassa nesta nossa Livre Europa (regime esse que damos o nome de democracia liberal), a verdade é que nos seus fundamentos estão a primordial experiência de países latinos como Portugal, Espanha e Itália. Estes países iniciaram o comércio em grande escala, os investimentso e depósitos bancários de enormes quantias, e experienciaram muito mais cedo que os restantes a necessidade de controlar as emissões de moeda e o valor do padrão-ouro nela contido.
Muitas das teorias da Escola de Salamanca enfrentavam esses dilemas da economia moderna. Mais tarde, os economistas austríacos, como Hayek, von Mises e outros, continuariam a inovadora experiência dos espanhóis e portugueses formados nessa faculdade. De salientar que, apesar de chamarmos à fornada de intelectuais, juristas e teólogos seguidores dessa corrente filosófica como os homens da Escola de Salamanca, é de lembrar que muitos desses não chegaram a ensinar ou a aprender em Salamanca, mas antes em universidades a ela aparentados, como a de Coimbra e Évora. Da mesma maneira podemos encontrar Austríacos, da Escola, que nunca estiveram em Viena nem em nenhuma faculdade do antigo país dos Habsburgos.
Juan de Molina, no alto do século XVI, escreve que a intervenção injustificada do Estado na economia viola a Lei Natural, provocando graves reveses na sociedade, e que é impossível para este "organizar" a mesma (a dita engenharia social, hoje em dia tão em voga) de forma coerciva, devido às dificuldades do poder central obter controlo dos meios de informação e usá-los de maneira coordenada o suficiente para impedir ineficiências na sua gestão centralizadora.
Muda as nossas ideias sobre esse estranho mundo do Século de Ouro espanhol, não muda?
Além de que os escolásticos de Salamanca consideravam o crédito como parte integrante do sistema económico, salientaram pela primeira vez a importância da concorrência e concebiam a natureza dinâmica do mercado, bem como a impossibilidade de um equillibrium.
A Escola de Salamanca e a sua Teoria Jurídica
As visões jurídicas da mesma escola não são menos interessantes. Eu assim o acho. Suarez, o eminente jurista espanhol, servirá de modelo aos juristas portugueses que, em 1640, justificarão a atribuição popular ao Rei D. João IV, o Rei Restaurador (Nós Somos Livres, Nosso Rei é Livre, Nossas Mãos Nos Libertaram é a máxima que se atribuiu, nesses tempos, às Cortes de Lamego, com profundo significado político na época do séc. XVI, e que prova que o exemplo português de emancipação servirá, mais tarde, de modelo para a mesma emancipação do Povo Inglês, em 1688). Nasce em Suarez, ou melhor, formaliza-se em Suarez, a primeira tendência liberal. Para ele, o poder do líder provinha de Deus, mas era atribuído ao líder através do Povo, o emissor directo da Graça Divina. Se isto não é um conceito de soberania popular, belisquem-me.
Continuo nesta senda para terminar em Vitória, que considero, de facto, superior a Grócio, se bem que Grócio põe em termos mais práticos a ideia do Direito Internacional. Nota-se nestes escolásticos espanhóis, autênticas craveiras da intelectualidade do seu tempo, a típica caridade católica, alguma ingenuidade até. Para Vitória, era obrigação dos bons reinos cristãos intervir, através da guerra, nos Estados onde grassasse a guerra e a violação do Direito Natural das Gentes, doutrina essa que não podemos dizer que não foi seguida pelos povos latinos, que assim se viram várias vezes em belos sarilhos na prossecução da ajuda altruísta.
Neste caso será, porventura, mais calmo e enriquecedor seguir a máxima revolucionária de Jefferson: "Comércio com todos; aliança com nenhuns".
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