Ainda a respeito da temática da imigração ilegal e da lei francesa L622-1, deixo o manifesto de um cidadão francês que se opõe vigorosamente a estes “crimes de solidariedade”. De nome Pierre Falk (Mister Pierre para os seus protegidos), é gerente de uma discoteca (empresário da noite, em bom português) e não tem receio de admitir que aloja imigrantes ilegais numa das casas que possui, situada em Boulogne-sur-Mer.
«Não tenho verdadeiramente muito para dizer nem justificar. É assim e não de outro modo; não estou certo de ter razão, mas a minha vida e a minha participação na evolução do mundo são assim. Não me considero acima das leis, mas penso que podem ser transgredidas em alguns casos. Não me considero um justo, um Militante, um Humanitário, um Defensor dos Direitos Humanos ou sei lá que mais. Não sou crente, não procuro elogios, não actuo por piedade nem por bons sentimentos, não sou a Honrada França, não tenho nenhum orgulho nem proveito do que faço, é mesmo um ponto de honra nunca pedir qualquer comparticipação nas despesas. Sou apenas um ser humano à face da Terra que tem um pouco mais de sorte do que aqueles com que se cruza... Então: SIM, há mais de seis anos, tento ajudar quanto posso as pessoas, outros cidadãos do mundo, a sobreviver melhor momentaneamente, alojando-os e pondo a funcionar a minha velha máquina de lavar roupa, por exemplo.
A minha casinha representa um tempo de pausa e de repouso, onde são possíveis coisas elementares e vitais: sentar-se a uma mesa para comer, dormir a contento em lençóis lavados, lavar-se, tomar duche, ir a uma casa de banho, cuidar de si, pentear-se, maquilhar-se, barbear-se, proteger-se da chuva, do frio, da angústia e do stress quase permanentes, olhar para um mapa, trocar informações, falar, encontrar(-se), dizer, criar relações, cozinhar, brincar, rir. Por estes escassos momentos de vida roubados à adversidade, não me considero um delinquente, talvez um desobediente.
A eles, não os considero uns indocumentados, ainda menos delinquentes. Está bem que estão ilegais, clandestinos, mas são, acima de tudo, imigrantes que não têm escolha senão fugir dos seus países em guerra, de opressores ou crises económicas endémicas, sonhando com uma vida melhor. Após travessias de países, desertos e mares, pelo menos muito difíceis, chegam aqui, a esta espécie de beco sem saída armado em masmorra... Ficam várias semanas, ou mesmo vários meses, em condições de vida que não se desejam a ninguém. E é verdade que há aldrabões, pessoas pouco recomendáveis, máfias que prosperam à custa deles, um sistema gerado pelo dinheiro todo-poderoso; mas também é evidente a imensa fractura Norte-Sul, a ausência de uma política migratória aberta, digna, respeitadora, e a hipocrisia inglesa, e a nossa.
Não alinho de facto nessa maneira exagerada, desproporcionada (mas que pode até ser produtiva) de apontar o dedo ao elo mais fraco, de fazer acusações de fascismo ou comparações que não têm razão de ser. A detenção de que fui alvo, agora e nas vezes anteriores, passou-se bem, confrontei-me com uma polícia correcta, que faz o trabalho que se lhe pede para fazer.
Os interrogatórios foram urbanos e profissionais. Talvez este bom trato se deva ao facto de ter a minha situação regularizada, ser um cidadão europeu, branco, normal... Só me irritam um bocado os sorrisinhos trocistas: 'Ah caro Senhor Humanista, o senhor é um sonhador, o mundo é como é e não está nas suas mãos mudá-lo.' Mas revoltam-me e fazem-me sempre reagir as práticas indignas, inadmissíveis, injustificáveis! Perante aquilo de que somos acusados, nós, os voluntários – solidariedade, cumplicidade –, não serve de muito pôr-nos sob escuta telefónica, deter-nos, utilizar procedimentos intimidadores, ainda por cima dispendiosos. Apesar de não andar por aí a fazer alarde disso, sei o que faço e saberei o que responder se me voltarem a interpelar.
Se voltar a cruzar-me com uma jovem que quer alindar-se ou um homem com uma perna quebrada, a minha casa permanecerá aberta.»
«Não tenho verdadeiramente muito para dizer nem justificar. É assim e não de outro modo; não estou certo de ter razão, mas a minha vida e a minha participação na evolução do mundo são assim. Não me considero acima das leis, mas penso que podem ser transgredidas em alguns casos. Não me considero um justo, um Militante, um Humanitário, um Defensor dos Direitos Humanos ou sei lá que mais. Não sou crente, não procuro elogios, não actuo por piedade nem por bons sentimentos, não sou a Honrada França, não tenho nenhum orgulho nem proveito do que faço, é mesmo um ponto de honra nunca pedir qualquer comparticipação nas despesas. Sou apenas um ser humano à face da Terra que tem um pouco mais de sorte do que aqueles com que se cruza... Então: SIM, há mais de seis anos, tento ajudar quanto posso as pessoas, outros cidadãos do mundo, a sobreviver melhor momentaneamente, alojando-os e pondo a funcionar a minha velha máquina de lavar roupa, por exemplo.
A minha casinha representa um tempo de pausa e de repouso, onde são possíveis coisas elementares e vitais: sentar-se a uma mesa para comer, dormir a contento em lençóis lavados, lavar-se, tomar duche, ir a uma casa de banho, cuidar de si, pentear-se, maquilhar-se, barbear-se, proteger-se da chuva, do frio, da angústia e do stress quase permanentes, olhar para um mapa, trocar informações, falar, encontrar(-se), dizer, criar relações, cozinhar, brincar, rir. Por estes escassos momentos de vida roubados à adversidade, não me considero um delinquente, talvez um desobediente.
A eles, não os considero uns indocumentados, ainda menos delinquentes. Está bem que estão ilegais, clandestinos, mas são, acima de tudo, imigrantes que não têm escolha senão fugir dos seus países em guerra, de opressores ou crises económicas endémicas, sonhando com uma vida melhor. Após travessias de países, desertos e mares, pelo menos muito difíceis, chegam aqui, a esta espécie de beco sem saída armado em masmorra... Ficam várias semanas, ou mesmo vários meses, em condições de vida que não se desejam a ninguém. E é verdade que há aldrabões, pessoas pouco recomendáveis, máfias que prosperam à custa deles, um sistema gerado pelo dinheiro todo-poderoso; mas também é evidente a imensa fractura Norte-Sul, a ausência de uma política migratória aberta, digna, respeitadora, e a hipocrisia inglesa, e a nossa.
Não alinho de facto nessa maneira exagerada, desproporcionada (mas que pode até ser produtiva) de apontar o dedo ao elo mais fraco, de fazer acusações de fascismo ou comparações que não têm razão de ser. A detenção de que fui alvo, agora e nas vezes anteriores, passou-se bem, confrontei-me com uma polícia correcta, que faz o trabalho que se lhe pede para fazer.
Os interrogatórios foram urbanos e profissionais. Talvez este bom trato se deva ao facto de ter a minha situação regularizada, ser um cidadão europeu, branco, normal... Só me irritam um bocado os sorrisinhos trocistas: 'Ah caro Senhor Humanista, o senhor é um sonhador, o mundo é como é e não está nas suas mãos mudá-lo.' Mas revoltam-me e fazem-me sempre reagir as práticas indignas, inadmissíveis, injustificáveis! Perante aquilo de que somos acusados, nós, os voluntários – solidariedade, cumplicidade –, não serve de muito pôr-nos sob escuta telefónica, deter-nos, utilizar procedimentos intimidadores, ainda por cima dispendiosos. Apesar de não andar por aí a fazer alarde disso, sei o que faço e saberei o que responder se me voltarem a interpelar.
Se voltar a cruzar-me com uma jovem que quer alindar-se ou um homem com uma perna quebrada, a minha casa permanecerá aberta.»
Esta é uma tradução da revista Courrier Internacional. Para quem prefira, aqui se encontra o texto original.
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