segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sobre a democracia no Médio Oriente, castelos voadores e cães falantes

O sonho ocidental de educar o oriente obriga-nos a velar de olhos bem fechados – para que os pormenores permaneçam no recato da cela, sob voto de silêncio. O delírio ocidental de transportar as instituições em bruto, tal as criámos, para o oriente, tem algumas parecenças com aqueles filmes da Disney com cães falantes. Estes são, sem dúvida, muito engraçados no seu domínio vocabular e estilístico perfeito, dando até vontade de, por qualquer mágica, transformar o vulgo rafeiro lá de casa num mestre em filologia renascentista. Todavia, como bem se entende, não é possível, nem seria benéfico, deturpar de tal forma a realidade – para nós e para o rafeiro.

Como tal, considero que o Médio Oriente não deve ser o quintal ou o laboratório dos europeus e norte-americanos, não deve ser a sua frágil e promissora criação. Qualquer dos “Estados” em questão tem o direito de exigir respeito pelo seu fundo histórico, pela sua matriz sócio-culturar, tem, em suma, o direito a opor-se a um transplante negligente das nossas instituições democráticas.

Dirijo-me, neste texto, às recentes eleições no Afeganistão e a toda a algazarra circundante. Congratularam-se Ban Ki-Moon e Obama por este passo decisivo da construção da democracia afegã, ainda que as eleições tenham sido fraudulentas e sujeitas a atentados mil, ainda que, note-se, a construção democrática de democrático nada tenha.

Importa é o folclore de umas eleições de fachada. Quanto aos votos comprados em hasta pública, aos ataques dos talibãs às urnas de voto (a propósito, urnas transportadas por mulas), falta de fiscalização dos locais de voto – quanto a isto nada a dizer, o importante é o simbolismo da efeméride. Estamos perante uma eleições alegóricas, pois então!

Acresce que, à boa maneira dos educandos ocidentais, das democracias de proveta que, aqui e ali, vamos fabricando, os dois candidatos reivindicaram vitória.

Talvez nunca entenda esta obstinação europeia e norte-americana de tentar implementar a democracia sem o apoio do direito, ou seja, criar Estados Democráticos esquecendo que, por uma questão de “saúde pública” ou pelo menos de saúde política (da polis, note-se), estes terão de ser, também, Estados de Direito.

Aconteceu no Iraque e agora repete-se no Afeganistão, este exercício de construir castelos no ar.

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