Consideração inicial
Antes de tudo, devo pedir desculpas ao Manel pelo atraso da minha resposta, ele que tão prontamente o fez ao meu comentário, mas os exames (e, vá lá, o simples esquecimento) não perdoam!
Da definição de Conservadorismo
Quando no CDS se fala em conservadorismo, não se pensa no velho conservadorismo americano ao estilo do Partido Republicano. Quando no CDS se fala em conservadorismo, a expressão tem um significado bem mais caseiro e muito distante do daquele partido.
O conservadorismo que há com mais ou menos força dentro do CDS, liga-se ao tradicionalismo português e ao conceito tradicional de família; à monarquia e ainda a algum resquício de Integralismo Lusitano que por aí ande; à moral Cristã, com grande afinidade à Igreja; à defesa do Império e à projecção atlântica nacional; ao patriotismo historicista; ao eurocepticismo (não absoluto); à concepção de um Estado forte; à economia centralizada; a uma iniciativa privada bem balizada; aos ideais de autarcia e de fisiocracia em detrimento de uma economia de mercado.
Este é o conservadorismo que há, com mais ou menos força no CDS.
Dificilmente se confunde com o conservadorismo tradicional anglo-saxonico que tem preferência por uma determinada concepção de família, que tem traços de tradicionalismo, que é patriótico de uma forma historicista, mas, por outro lado, dá todo o espaço à autonomia privada, defende uma economia o mais solta e livre possível, vê o mercado como o modelo económico mais equitativo e lucrativo, não é estranho às teorias da divisão internacional do trabalho, nem à Europa (na sua vertente europeia, claro está).
Em suma, o conservadorismo anglo-saxónico é centrado no Homem, num determinado conceito de Homem (livre, patriota, presado, inserido num determinado contexto familiar), enquanto que o conservadorismo do nacional e do CDS, com mais ou menos expressão, é centrado, não no Homem, mas na relação que se estabelece entre o Estado e o Homem e o Homem e o Estado.
Há, pois, neste ponto, uma discordância entre nós.
Do Conservadorismo no CDS
O CDS não é um partido conservador. O CDS é, também, influenciado por uma concepção conservadora da realidade.
Dizes imaginar um conceito de conservadorismo para o CDS, reclamando a Democracia-Cristã como modelo económico para o PSD. Facto é que por mais conservador que imagines o CDS, não deixa de ser um partido, fundamentalmente, democra-cristão. Se o PSD tem em vista uma viragem nesse sentido, só posso aplaudir e congratular-me com o a difusão dos ideais democratas-cristãos no nosso país. Não posso, todavia, deixar de advertir que a Democracia-Cristã não é um modelo económico: é uma concepção de Estado.
É palpável a influência das concepções conservadoras no seio do CDS. O patriotismo historicista e a defesa do tradicionalismo, mostram-no bem. Mas a sua influência não irá muito mais longe do que isto.
A Democracia-Cristã, assim, assume-se como a corrente de maior importância na construção ideológica do CDS: a defesa da dignidade humana, na concepção de cidadão e das relações deste com o Estado e do Estado com este; a aceitação do mercado; a defesa do estado comedido; o império da responsabilidade social... A marca da Democracia-Cristã...
Das afinidades do CDS com partidos conservadores estrangeiros
Devo admitir a minha ignorância quanto à realidade do UK Conservative Party. Porém, posso falar com alguma propriedade do Partido Republicano.
O Partido Republicano não tem uma actuação e estrutura ideológica dominante constantes ao longo da sua história. Os melhores exemplos disso serão, talvez, as clivagens internas a propósito do esclavagismo ou mesmo a dificuldade da escolha do candidato às últimas presidenciais.
Pegando neste último exemplo, podemos ver dois extremos de uma série de “Partidos Republicanos” dentro do Partido Republicano, pegando em duas personalidades: John McCain e Sarah Palin.
John McCain é herdeiro do primitivo Partido Republicano, como tu muito bem disseste, militante da “aposta nos valores individuais, a protecção do cidadão face à coacção económica, física e intelectual por parte de outros cidadãos e do Estado” e da aceitação da “Tradição cultural, social e histórica”. Palin representa um outro, bem mais estatista, confessional, nada estranho a abusos, arbitrariedades e irracionalidades (tanto por parte do estado como dos privados), ditadas por um tradicionalismo bacoco, por considerações religiosas mais ou menos ilustradas e por um patriotismo agressivo e nada respeitador da integridade de outros Estados.
O CDS não se revê nem numa nem noutra posição; nem no conservadorismo primitivo (liberal), nem num outro conservadorismo evangélico. E, honestamente, desconheço pontos intermédios que nos digam algo em especial.
Já se pensarmos, por exemplo, na alemã CDU alemães, neste caso são visíveis as semelhanças.
Do conceito de Família do CDS e das críticas de Martim Avillez
Em primeiro lugar, há que começar por esclarecer muito bem um assunto: o CDS não propõe um conceito de família, em especial; não prefere determinadas estruturas familiares a outras. Certamente que todos nós gostaríamos que todas as famílias fossem constituídas de acordo com os ditâmes tradicionais. Mas não se fazem juízos políticos sobre esta questão. Sem dúvida que uma criança crescerá de uma forma mais saudável se em casa tiver um pai e uma mãe e se tiver o apoio e carinho dos avós e dos tios. Não significa isto que este modelo familiar seja preterido em relação a outros. As coisas são como são. A realidade é como é. Não se podem obrigar duas pessoas a constituir família, nem tão pouco se quer que assim seja. Da mesma forma encaramos as relações homossexuais.
O CDS não é um partido homofóbico. Em nenhum momento foi dado a entender pelas suas estruturas directivas que havia lgum problema com a homossexualidade. É uma opção. Faz parte da esfera privada de cada indivíduo. Em nenhua hipótese tem o Estado algo a ver com isso. De facto, as opções sexuais de cada indivíduo, de per si, em nada interferem com a esfera privada dos indivíduos circundantes ou sequer com a consciência ética colectiva da Nação. As opções sexuais de cada um são um acto unilateral, perfeitamente dissociáveis de tudo o resto: não tem reflexos juridicamente relevantes.
Diferentes são os casos em que, à força, se quer dar relevância jurídica àquilo que não a tem. Uma coisa é o indivíduo assumir-se como homossexual, construir relações homossexuais, livremente desenvolvendo a sua personalidade; coisa perfeitamente distinta é querer valorar essa situação de uma forma não valorável, atribuindo-lhe características que, por natureza, não são as suas, ou chamando-lhe nomes que, em bom português, não são os seus.
Dois homens vivendo juntos, que criam entre si uma relação afectiva (chamando-lhe, porventura “amor”), que assume uma dimensão sexual é simplesmente isso: não é um casamento, não é uma família; é algo que duas pessoas fazem, estando fora da esfera de acção do Estado, enquanto fruto da mais pura, simples e unilateral iniciativa privada.
O casamento é um dos mais antigos institutos experienciados pelo Homem. E que pela sua global vivência e constância de estrutura e definição, pode ser dito radicado na consciência mais íntima do Homem e absolutamente adstrito à sua condição; (só) pode ser dito radicado directa, absoluta e indubitavelmente no Direito Natural.
Antes de avançar mais, impera que se teçam algumas considerações sociológicas sobre o fenómeno da homossexualidade, nos termos em que nos é apresentado. De forma brilhante Vallet de Goytisolo, na sua obra “Sociedad de massas e Derecho”, dá-nos conta de como a sociedade técnica e urbana contribui para a desagreagação de um povo e a sua transformação em massas, substituindo-se o elemente histórico pelo voluntarista. O sentimento de pertença desvanece-se; a cidadania relativiza-se; a humanidade perde-se: substitui-se o conceito de cidadão e de homem por um conceito purista e extremado (egoísta) de indivíduo, desprendido da sua natureza, pouco preocupado com a sua condição, não tendo, em boa verdade, que prover pela sua subsistência. É uma engrenagem e só uma engrenagem da grande e descaracterizada urbe. Mas uma engrenagem que nunca olha para as que estão à sua volta. Tem que fazer o que faz, mas está-se pouco importando para o resto das engrenagens ou sequer para a saúde da máquina. Desde que esteja garantido o seu bem estar, tudo está bem. Assiste-se ao império da vontade egoísta, em que “o papel reservado às instituições é substituído por slogans como representação mental unificadora”, que une vontades e não pessoas.
Este retrato pode parecer demasiado radical, mas é absolutamente verdadeiro. Assim se explica a incrível violência urbana; se explica o afrouxar das relações humanas na urbe; se explica a falta de consideração pela condição humana; se explicam os comportamentos sociais desviantes e desumanizantes; se explicam os comportamentos sexuais desviantes ou simplesmente alternativos e pouco naturais. A substituição do elemento histórico pelo voluntarista leva à degradação das instituições humanas e à degradação do conceito de Homem, com tudo o que isso implica.
Tendo falado em abstracto sobre o Homem e as instituições humanas, proponho-me a falar em particular do casamento e do casamento na realidade jurídica portuguesa.
O casamento que os potugueses durante muito tempo conheceram radica na natureza do próprio Homem, influenciado por considerações Cristãs. O casamento foi um instituto constante, com um objecto, uma estrutura e directrizes bem definidas. Recentemente, deixámos de conceber o casamento como um vínculo perpétuo; depois deixámos de o conceber como pressupondo um vínculo estável; depois deixamos de proteger as partes, em caso de “rescisão” de contrato; agora preparamo-nos para alterar a sua definição. Em boa verdade, a instituição “casamento” foi substitída pelo slogan “liberdade sexual”.
Esta instabilidade e mesmo indefinição são contrárias aos predicados mínimos exigíveis para que um instituto possa usar, de pleno direito, esse nome. Uma instituição instável não é, muito simplesmente, uma instituição. Em boa verdade, a lei implodiu o casamento civil material, insistindo, no entanto, em preservar um termo que não se reporta a nenhum conceito, em preservar uma fachada, em preservar uma figura jurídica a que a lei chama “casamento”, mas que já não o é.
Face a este constatação, assistindo a esta forma vazia de conteúdo, assistindo a esta inexistência institucional, apresento uma proposta: porque não, muito simplesmente, acabar com o casamento civil?
Se é um vínculo a todos acessível, sem predicados mínimos, mas que, na verdade, não vincula, não atribui nenhuma posição especial às partes, nem garante a sua segurança, em que medida faz sentido a sua existência? Que vantagem tiramos de vivermos de e para pró-formas? O casamento civil deixa de gter significado ou utilidade. Muito bem, limpe-se a casa e deite-se fora o que não serve.
Pelo contrário, se ainda houver alguém que atribua algum significado, nomeadamente religioso, ao casamento, então que se casem religiosamente e o vivam religiosamente, segundo os preceitos das suas confissões, enquanto fruto da autonomia privada, sem a intervenção estatal.
Retomando a análise da relação do CDS com o casamento e a família e voltando a um momento em que o casamento não está completamente vazio e em que ainda não abrange as relações homossexuais, volto a reforçar a ideia de que a Democracia-Cristã não tem um conceito de Homem, mas um conceito de Estado: um Estado construído à medida do Homem, que assenta primordialmente na sua dignidade, que dá espaço a autonomia privada, mas que exige, em retorno, responsabilidade por parte dos indivíduos, de forma que “a busca da felicidade” individual de um, não obstrua a de outro, nem ponha em causa “o bem-estar geral”. E um Estado assim não pode ter um determinado conceito de Homem, para além daqule que este, naturalmente e em condições normais, tem de si mesmo.
A Democracia-Cristã, defendendo esse conceito, não porque seja sua opção, mas porque o respeito pela dignidade humana o obriga, que se radica no Direito Natural, é forçada a defender as instituições humanas, na sua formulação originária adstrita ao conceito natural de Homem. Por consequência lógica, é forçada a defender o casamento na sua formulação originária adstrita ao conceito de Homem. Como tal, não pode aceitar o alargamento do casamento civil aos casais homossexuais.
A homossexualidade, tal como o casamento, não é um fenómeno novo. Sociedades e tempos houve em que era bem vista ou permitida; sociedades e tempos hove em que era mal vista e proibida. Nunca, em nenhum momento, todavia, se pretendeu confundi-la com o segundo. O casamento foi sempre um instituto muito bem definido, visto radicar na natureza humana.
A pan-homossexualidade imperialista actual, essa é nova. E é precisamente fruto da tal substituição do elemento histórico pelo voluntarista, produto da sociedade técnica urbanizada, que leva à substituição das instituições humanas por slogans. É este povo massificado e desumanizado, esquecido ada sua natureza, que ousa querer confundir casamento com liberdade sexual. São conceitos paralelos.
Por tudo isto não pode o CDS, enquanto partido, fundamentalmente, Democrata-Cristão aceitar o casamento homossexual. Já muito diferente é a aceitação da homossexualidade: essa é não mais do que o produto da iniciativa individual.
Do CDS
Em jeito de resumo, proponho-me, mais uma vez, de forma telegráfica (este comentário ficou demasiado longo!) a definir o CDS.
É um partido cuja ideologia é influênciada por, essêncialmente três correntes: Conservadorismo (o nacional), Democracia-Cristã (que é a predominante) e Liberalismo.
Defendemos o tradicionalismo nacional, não de forma absoluta, mas ponderada. Temos orgulho na nossa história, conhecemos a nossa herança atlânticista e acreditamos que o seu repúdio não é a solução. Não ignoramos, sem sermos confessionais, as origens judaico-cristãs da nossa cultura. Não somos estranhos à ideia de uma forma de governo Realista. Acreditamos na dignidade humana como valor fundamental, situado acima de qualquer outro valor, virtude, ideal, projecto ou o quer que seja. Acreditamos na comedição do Estado, na iniciativa privada e no mercado, mas pelo contrário, no império da responsabilidade social. Sabemos que não nascemos todos iguais, devendo o Estado promover a mobilidade social, sem que isso prejudique a responsabilidade individual de cada pessoa. Queremos um estado presente, mas não obeso. Só aceitamos um Estado transparente, dirigido pelos melhores, que se renovam constantemente, num verdadeiro espírito altruísta, demofílico, democrático, responsável, despojado, rigoroso, imparcial, plural, defendendo a igualdade (não se diga, por favor, que isto é ética republicana, porque não é).
É este, de forma telegráfica, o CDS.