Enquanto serviço informativo
blogosférico da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto, o
Café Odisseia toma para si alguns deveres sobre a explicação de certos acontecimentos da actualidade. Tomados a devido tempo e após algum estudo sobre a matéria, eles são aqui expostos para usufruto de todos os interessados.
Muito pouco se tem escrito, entre a comunidade da
FDUP, sobre o "escândalo" financeiro português. Houve-se algumas conversas de café, murmúrios irritados, mas pouca pesquisa e séria interrogação.
Antes de se atribuir à prática do livre-mercado (bode expiatório para todos os males do mundo, e quiçá do mau estado em que se encontram alguns planetas do nosso sistema solar) analisemos o que correu mal e o que foi feito no
Banco Português de Negócios (
BPN).
O
BPN, sendo um banco relativamente menor no sistema financeiro português, estava, nos últimos anos, a ser gerido de forma algo suspeita. Já em 2005 o Banco fora envolvido numa investigação (ainda em decurso) que incidia sobre a prática de crimes de fraude e de branqueamento de capitais que também comprometia outras entidades.
Nessa altura estava na Presidência do
BPN um antigo ministro de
Cavaco Silva,
José Oliveira Costa (que ocupava o cargo no
BPN desde 1997). Após uns problemas em 2008 com o
Banco de Portugal (envolvia informações sobre accionistas e separação de áreas financeiras que não foram prontamente cedidas) os principais
stock-holders do
BPN, assustados com a fama que tanto o banco como o seu Presidente estavam a ganhar, pressionaram
Oliveira Costa a sair. Dito e feito,
Oliveira Costa saiu. Sucede-lhe
Abdool Vakil, e mais tarde
Miguel Cadilhe. Ambos reportam ao
Banco de Portugal as inúmeras infracções cometidas pela anterior administração, e as falhas de regulação que o sistema cometeu.
Ciente da situação cada mais "
mergitur" e menos "
fluctuat" do banco, e com uma recessão económica a caminho,
Miguel Cadilhe optou por sanear algumas contas do
BPN com venda de património, filiais e apoios de outros bancos. Insucesso atrás de insucesso, foi pedir ajuda ao
Grande Pai, o
Estado. Propôs um plano que envolvia, em princípio,
600 milhões de euros para tornar o Banco insolvente. O
Estado nacionalizou o
BPN, contra a vontade de
Cadilhe, e já injectou, até agora, cerca de
800 milhões.
As razões para esta acção do
Estado baseiam-se na recusa de uma colaboração com a administração actual do banco e a ideia de que o dinheiro dos investidores seria melhor investido numa nacionalização, bem como o perigo de que uma falência do
BPN poderia causar na economia portuguesa.
Assim, o
Estado resolve fazer o seu plano. Morrem as partes do
BPN que não interessam (deixa-se o mercado funcionar com a sua acção negativa e regeneradora) e salva-se as partes que interessam, como os investimentos, negócios e a parceria com a
Sociedade Lusa de Negócios, que segundo
Cadilhe terá muito a perder com esta nacionalização.
Chega assim a hora de culpar e pedir contas aos verdadeiros protagonistas deste primeiro arrombo da crise de 2008 em
Portugal.
Terá sido o
Mercado Livre e a falta de regulação? Não. O
Mercado Livre nunca poderia originar uma situação destas por razões muito simples: os problemas do
BPN baseiam-se na criação do banco. Corrupção, financiamento ilegal, contas "
off-
shore", lavagem de dinheiro, todo o tipo de coisas que se conseguem com o número exacto de conhecimentos tidos dentro dessa enorme alcateia de opções para facilitar o negócio a que se chama "
Governo". O problema no
BPN não foi a sua liberdade de investir em coisas que deviam ser c
ontroladas por um qualquer poder político. O
BPN violou sistematicamente a
Lei, e a mais elementar supervisão, normalíssima num
Estado de Direito e que neste caso devia ter sido feita pelo
Banco de Portugal, falhou. E falhou "
de propósito", pois está corrupta até às raízes.
A culpa é do estado de letargia em que
Vitor Constâncio,
Governador do Banco de Portugal, responsável pela nacionalização
,se encontra mergulhado voluntariamente, dentro de uma tina de
formol, e da qual acordou para importunar o pânico dos acordados,
deslocando-se à meia-noie ao Parlamento da República Portuguesa para afirmar que não é ele quem deve prestar declarações sobre o que aconteceu, e sim os espíritos traquinas que atormentaram o desempenho das suas funções.A culpa é de
José Oliveira Costa, porque fez o que quis, durante o tempo que quis. Não foi o único. Nem o primeiro. Mas é a figura mais atingível pelas autoridades. A sua detenção, o seu julgamento, a prova da sua culpa e do seu legado,
seriam a machadada inicial e fatal na destruição da classe política cavaquista, a classe política das obras públicas, a classe dos favores e das malfeitorias patrocinadas pelo dinheiro dos portugueses, a classe do Bloco Central.Por fim,
a culpa é dos portugueses. Por um simples facto: ainda não aprendemos a distinguir dois factores importantíssimos da vida pública: a política e a economia. Enquanto não o fizermos, vamos acusando os "
ultra-liberais" e o
Mercado Livre pelos milhões que desaparecem sem razão aparente do cofre de
Estado, tudo em nome dos ditos "socialistas" deste país, que o consomem em estudos, relatórios e concessões.